quarta-feira, 25 de junho de 2014

Entre o miserável e o sábio: confissões filosóficas

"Portanto, se algum desses que invectivam contra a filosofia repetir o seu refrão habitual: ‘Por que, em suas palavras, há mais energia do que em sua vida? Por que você abaixa o tom de voz diante de um superior, e acha que o dinheiro é um meio necessário, abala-se com um prejuízo, chora ao ficar sabendo da morte da esposa ou da morte de um amigo, cuida de sua reputação e se deixa afetar por boatos malévolos? (...) Mais adiante, eu irei ainda mais longe do que suas invectivas e farei a mim mesmo mais recriminações do que você imagina; por ora, eis o que lhe respondo: Eu não sou um sábio e (para que a sua malevolência fique feliz) nunca serei. Exija, pois, de mim, não que seja igual aos melhores, mas apenas melhor que os maus; a mim me basta cortar a cada dia um pouco dos meus vícios e repreender os meus extravios. Eu não fiquei completamente bem de saúde, e nem vou conseguir ficar; estou fabricando para a minha gota antes paliativos do que remédios, feliz se os ataques se tornam menos freqüentes e as dores menos fortes; mas comparado com os seus pés, eu, débil, sou um corredor. Digo isso, não por mim (pois, estou submerso em todos os vícios), mas por aquele que conseguiu alguma coisa. " Sêneca, Sobre a vida feliz XVII,1.3-4.

Enquanto lia a obra: Sobre a vida feliz me deparei com essa passagem que me tocou bastante, por se tratar  de uma confissão pessoal de um homem que experimentou as vicissitudes da vida, o que engloba a boa e a má fortuna. Então, eu quis também engrossar o coro dos que se reconhecem como um homem “submerso em todos os vícios” e “ruim demais para saber acolher as graças de Deus” e lembrar com Diógenes que “aspirar à filosofia também é filosofar”.

Posso dizer não sem indignação contra a mim mesmo, que também eu estou nessa luta, e ciente de que a minha saúde me oprime bem mais do que eu gostaria e, sabendo o quanto é difícil manter com coragem o ânimo diante de tantos combates com o único propósito de me manter vivo, de sobreviver.

A verdade é que até o momento tenho buscado uma infelicidade serena certo de que só assim poderei almejar uma felicidade modesta. Galgando cada passo de uma vez, caindo e tropeçando, cego e surdo, com dores eu vou caminhando resistindo em silêncio, e bradando no meu íntimo contra a minha existência, certo de que se tenho alguma virtude, creio que seja a coragem, mas não porque sei o que se deve temer ou não, como ensina o Sócrates do diálogo Protágoras, mas porque em tal estado insisto em enfrentar a vida quando poderia muito bem entregar os pontos e dar o último suspiro. Tudo o que posso fazer é tentar amenizar a dor e na medida do possível e com bravura me colocar diante dos meus vícios e das minhas misérias, creio que esse é o gesto mais corajoso que um homem pode ter. Penso realmente que este é um ato de coragem legítimo, pois, que reconhecer suas fraquezas, seus medos e saber-se miserável é prova senão de virtude, ao menos, prova de que a ama, assim como se ama a verdade.

Eu que sou débil, e manco, que sou o mais miserável dos homens procuro acompanhar os passos de homens e mulheres melhores que eu, e vou caindo como se não soubesse andar direito atrás desses verdadeiros seres humanos pensando que se ao menos conseguir acompanha-los serei senão feliz, ao menos, menos infeliz. Porque a chance que tenho ao segui-los de me tornar menos patife e mais homem é maior do que se eu simplesmente ignorasse todos os meus vícios e pensasse que sou a encarnação da virtude.

Creio que como o Eros de Platão, eu também, estou entre o pior dos homens e o mais divino deles, o pior porque sou miserável e o divino porque aspiro ao que de melhor o homem pode almejar para si e para os outros. Se, com efeito, eu fraquejo diante da dor não pense que é por covardia, é antes porque a virtude ainda me falta e a sabedoria mais do que tudo. Ciente da minha ignorância procuro ser menos pedra de escândalo para os outros consciente de que ainda o sou para mim mesmo.

Então, quando me ver fraquejar e sucumbir aos meus medos, quando ver que eu estou chorando e bradando contra a existência não me julgue como se julga o sábio e o verdadeiro homem de virtude, porque o que estará diante dos seus olhos é apenas um homem miserável atolado até o pescoço em seus vícios que está tentando a todo custo sair do lamaçal. No mais das vezes enfrento tudo isso sozinho: o silêncio, a noite escura, os medos, o pânico e tento agir com o mínimo de covardia e o máximo de coragem que a pouquíssima virtude que adquiri me permitir.
Por isso, peço desculpas através na forma de uma confissão filosófica sincera, não porque eu mereça desculpas, mas porque a verdade me impele a ser sincero e franco comigo mesmo antes de tudo, pelas vezes que fraquejei e ainda irei fraquejar, pelas vezes que ainda irei tombar diante dos meus inimigos, pelas vezes que ainda irei bradar contra a minha existência, até que lutando as batalhas diárias afim de vencer a guerra da vida eu possa, ao menos, alcançar a infelicidade serena e tranquila e quem sabe poder me dar o luxo de aspirar a felicidade modesta.

E, se não sou capaz de ser amigo da minha solidão, é por fraqueza e não por covardia, se almejo sua companhia é mais por amizade do que por desejo, e se amei mais a pessoa do que a mulher que dá forma a pessoa é porque vi na mulher mais do que pode ser desejado e menos do que é digno de ser frequentado pela afinidade que o simples desejo oferece.

Um dia espero que entenda que aos amigos o maior bem e o aos inimigos um bem maior ainda, é o que o homem mais miserável deve desejar quando consciente de suas misérias e pecados. Vence-se um vício por vez e quando todos os vícios se amontoam contra o homem de bem ele se vê em grande perigo, pois que cercado e impelido pela coragem não pode largar a lança e o escudo, mas deve enfrentá-los ao preço de morrer aniquilado pelo tormento do fracasso diante de um inimigo mais numeroso e que usa da vileza para vencer ao invés da justiça.

Eu também, não sou sábio e se sou filósofo o sou por amar o saber e não por ser sábio.
Sou filósofo porque optei por ser justo ainda que nem sempre consiga sê-lo e, por fim, optei por ser filósofo porque optei por ser humano ainda que não entenda o que isso realmente significa.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Janela Trancada

Todos os dias passava pela tua janela entreaberta. E mesmo não te vendo via a abertura da janela, que como a minha alma estava aberta esperando ser perscrutada por você.
Passava e olhava espreitando devagar para não ser descoberto, segredo de Eros que não queria ser revelado a Psiquê.

Um dia, a janela estava trancada, não apenas os vidros como acontece nos dias de chuva, mas totalmente trancada, já não podia ver o teu íntimo.
Eros já não podia mais ver Psiquê, contaram-lhe que ele era um monstro e ela quase o matou.
Tua janela trancada é um interdito que não suporto. Esse fechamento da alma que me estrangula. Que corta as minhas asas e me impede de voar.

O inverno chegou e o frio com ele e a tua janela está fechada, lacrada, interditada para os meus olhos. Minha alegria não era ver você, mas saber que você estava ali, essa presença no vazio, porque via no vazio a sua presença, pelo vão da janela.

Agora não verei mais e o meu coração sangrou, porque antes tinha sua presença no vazio, era uma presença velada, mas ainda assim uma presença, agora tudo que tenho é uma ausência completa! Ausência plena e nefasta, se antes quando passava pela tua janela não ouvia o canto dos pássaros, agora o silêncio não fala, não é mais aquele silêncio tagarela de outrora, o silêncio emudeceu como a madrugada fria dos invernos mais rigorosos. O silêncio agora é um abismo que se fecha e me engole.

Você viu o meu rastro no teu jardim, pensou que fosse um monstro e trancou a janela para mim. Já passou pela tua cabeça que a luz que vinha do teu quarto era a única luz que eu via todas as noites quando espreitava tua janela?

Parece que revivemos o conto de Eros e Psiquê, mas nesse conto Psiquê não ama Eros, apenas Eros, o amor, amou com força e vigor uma mortal que nunca se tocou que um deus a amou.

domingo, 15 de junho de 2014

Fardo e correntes

Ah! Esse fardo pesado!
Esse fardo que me comprime.
Essas correntes pesadas que me restringe.
Essa dor no meu peito que não me deixa respirar.
Esse fardo esmagador parece que quer me matar.

Essas correntes pesadas com bolas de aço maciço.
Essas correntes geladas que restringem o meu riso.
Essa força que me paralisa que quer me ver subjugado.
Como pesa sobre os meus ombros esse fardo pesado.

Me olhastes e me assististes cândida e resoluta.
Me viu ser sufocado pelas correntes e sequer me ofereceu ajuda.
Esse fardo, essas correntes, esse jugo triste e vil.
O teu olhar silencioso corroborou e assentiu.

Ah! Esse fardo peso inútil que carrego,
Condenado a levá-lo pelo destino cego.
Essas correntes geladas de aço maciço,
Bolas pesadas que dificultam o percorrer triste desse caminho.

Suplico que me liberte só você tem essa chave.
Peço-te clemência não me faça essa maldade.
As lágrimas que você não vê
Escorrem em letras no papel.
Encurvado, comprimido fica o corpo do condenado.
Como o gemido silencioso quando abafado.

Tenta se mexer, mas o seu corpo endurece.
Os braços e suas pernas por mais que queira não se mexem.
As pernas ficam pesadas como o mais concentrado chumbo
Difícil de caminhar se arrastando pelo mundo.
Esse fardo, essas correntes, essas batalhas na mente.
Esses pesos, elos frios, essa luta desigual.
Impedido de reagir é massacrado pelo mal.

Esse fardo, esse jugo, essas correntes, esse destino.
Esse silêncio, essa platéia, esses olhares de julgamento.
Se deleitam sadicamente com o meu sofrimento.


Jeremias III

Chega outra vez o dia maldito
Chega outra vez esse dia indesejado.
Dia em que eu queria ter sido abortado.

Chega outra vez esse dia-noite
Mais um ano de noite-dia.
No qual parece que gira a minha vida.

Infeliz foi o médico que me trouxe ao mundo.
Infeliz por anunciar ao meu pai. “É um menino!”
Infeliz por não fazer do ventre de minha mãe o meu túmulo.

Por que não me deixaram dormir para sempre?
Por que permitiram que eu abrisse os meus olhos?
Tivessem me deixado morrer e eu jamais teria conhecido a escuridão.
Porque mergulhado nela sem consciência não a poderia ver como agora vejo.

Se eu não existisse tudo seria diferente.
Um homem ou uma mulher estariam no meu lugar
No lugar de uma aberração que não deveria ter nascido.
Se eu não existisse nunca teria te encontrado
Você e eu nunca teríamos nos falado
Eu nunca teria tocado seu rosto daquele jeito
Tu nunca terias me tocado como me tocastes.

Se eu não existisse jamais teria te sido um estorvo.
Não seria problema para ninguém.
Eu não saberia o que é a solidão
Nem derramaria lágrimas de tristeza.

Mas o dia maldito vem!
E com ele a tristeza da solidão.
Não há amor, não há olhar.
Não há reconhecimento
Não há luz no fim do túnel.
Há apenas um nervo exposto
Uma alma dilacerada.
Um espírito quebrantado.

Chegou o dia maldito,
Outra vez o dia indesejado chegou,
Outra vez um ciclo se fecha e outro abrir-se-á.
Eu quero pular fora do circulo do destino.
Mas o coro da tragédia não quer deixar.

Chegou o dia maldito,
Desejei ardentemente que fosse bendito,
Anunciado pelos teus belos lábios
Iluminados pelo teu olhar.
Mas o destino te levou para longe.
Com você ele não me deixou ficar.
Dias nublados e céu escuro.
É assim que são os dias sem fim.
Esmagado pela morte mesmo depois de nascer.
Esse é o dia que eu queria esquecer.
Esquecimento é ser apagado da existência e da memória
Consciência de que para todos seria o mais belo fim para essa história.


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Oséias

Te procurei segundo a justiça
Contigo quis contrair relações
Mas tua indiferença é como ferida
Que fere e sangra o meu coração.

Te dei respeito e dignidade
Minha lealdade nunca iria te faltar
Mas você não foi justa comigo
E quis ver a minha alma despedaçar.

Tu amas a injustiça
Zomba da coragem e da virtude
Desprezas a sabedoria
És egoísta na verdade e não tens atitude.

Oséias, o profeta, com uma adultera se casou.
Foi Deus quem lhe pediu para transformar em metáfora o seu amor.
De respeito e ingratidão do sofrimento e da dor.
É a imagem que a vida do profeta ilustrou.

E com dor é que lamento a cada dia tua decisão
Pautada na covardia, na insegurança e na solidão.
Tratou como qualquer um quem te tratou como merece
Foi indiferente e infiel
Covarde e injusta
Ignorou quem só queria
Com você uma vida justa.


quinta-feira, 12 de junho de 2014

Estrela solitária

Eis uma estrela que brilha triste e sozinha
Seu brilho fulgurante ilude e fascina.
Multicolorida ela enche os olhos.
Mas intocável e distante sua solidão não comove.

Seu brilho é passado apagado e fosco.
Sua beleza não é vista, ignorada com endosso.
Uma estrela solitária foi vista no céu noturno.
Brilho raro quase apagado imperceptível no escuro.

Há pessoas que pensam que as estrelas podem agrupar
Em constelações multicoloridas como a razão desejar.
É com verdade e tristeza que te digo meu amigo.
As estrelas estão muito longe, distantes umas das outras,
Como os humanos que destino!

Estrela solitária, estrela quase apagada.
Imperceptível é o seu brilho
Sua beleza quase rara.
Está lá parada sozinha e isolada.
Uma estrela intocada nunca antes reparada.
Um dia o seu brilho finalmente se extinguirá

E a estrela solitária vazio há de se tornar.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Pequena Reflexão sobre o namoro como instituição: O celibato e a erótica

Após apresentar o tema do namoro como instituição fazer a desconstrução do amor romântico e apresentar em grandes linhas uma alternativa ao amor romântico que chamo de amor-amizade.
O próximo passo é expor um pouco sobre o celibato como forma oposta ao namoro como instituição traçar algumas características próprias dessa forma de vida na antiguidade pré-cristã (basicamente na cultura greco-romana) e depois dentro do cristianismo.

Ser celibatário significa não ser casado, mais que isso significa ser solteiro no sentido de não ser comprometido com ninguém, em outras palavras, não possuir qualquer relacionamento conjugal.
Hoje em dia a palavra celibato está associada à vida religiosa cristã e vinculada a uma vida casta. No entanto, nem sempre foi assim, o que pretendo aqui é tentar fazer uma genealogia do celibato como uma forma de vida oposta ao do namoro e do casamento na qual o princípio fundante não é estabelecer uma relação duradoura, mas sim uma relação fugaz e na maioria das vezes instrumental com outras pessoas.

A cultura do celibato no mundo pré-cristão greco-romano é o paradigma de uma vida promíscua e voltada para o prazer, sobretudo o prazer sexual em que a forma de amor que prevalece é a erótica, isto é, o amor enquanto desejo (eros) e não enquanto amizade (phília). Em que o interesse é saciar o desejo através da sedução e posse do amado e não de uma relação de equidade.

Negando a equidade, o outro, passa a ser um meio para alcançar ou satisfazer o fim que é o prazer da conquista e a sua consumação nos atos próprios da dimensão erótica (beijo, carícias e o ato sexual em si). As juras de amor não tem como finalidade uma correspondência que visa a construção de uma relação duradoura, mas apenas uma relação que tem por finalidade saciar o desejo imediato que se apresenta na atração que o amado exerce sobre o amante.
No Diário de um sedutor Kierkergaard apresenta como funciona a dimensão erótica para o celibatário laico, nesse caso específico o sedutor se contenta apenas em seduzir e encantar o amante ou a amante e não em correspondê-la (o). Aceita-se saber e sentir-se amado, mas não deseja engajar-se numa relação com aquele (a) que é o seu objeto de amor. O objetivo é puramente estético, o que significa puramente sensualista.

Um celibatário na antiguidade pré-cristã romana geralmente freqüentava prostíbulos e orgias. Nos dias de hoje freqüenta algumas festas e boates, mas o objetivo é o mesmo a prática estética da conquista, apenas pela conquista ou pela satisfação dos prazeres ligados a sexualidade.

O advento do cristianismo reconstruiu o sentido do celibato, não de imediato, mas pouco a pouco o celibato foi associado a uma forma de vida vinculada ao serviço à comunidade cristã, a parte da experiência de união com Deus e, sobretudo, a prática da fraternidade nas primeiras comunidades monásticas. O celibatário cristão abraça a castidade como parte de uma atividade ascética que favorece a sua experiência religiosa.
Claro no contexto cristão a castidade é fundamental para a vida moral e para a vivência correta da sexualidade, não é só uma prática ascética própria do celibato perpétuo, mas é uma propedêutica para a vida matrimonial. A idéia central da castidade é instruir o desejo com a razão controlando-o ao invés de se deixar controlar pelo desejo.

Também no cristianismo é possível falar de uma erótica vinculada à mística na vida religiosa, em que Deus, é o amado e o místico ou homem religioso é o amante. Imagem que aparece no Cântico dos cânticos (embora, como sabemos o Cântico dos cânticos não tem essa finalidade mística, mas são poesias atribuídas a Salomão, no entanto, há algumas menções dos Cânticos dos cânticos nos escritos de São João da Cruz, por exemplo) e que retrata o desejo do homem religioso de se unir a Deus.  Nesse caso, diferente do celibatário laico o interesse não é uma satisfação momentânea ou mesmo uma conquista, mas trata-se de um desejo de plenitude. Veja que há uma inversão no sentido do caminho percorrido pelas duas formas de celibato uma visa a satisfação imediata e fugaz dos prazeres ligados a vida sexual e o outro procura elevar o espírito no mergulho do mistério da transcendência divina.

O celibato, portanto, se mostra como uma forma parcial de se relacionar com o outro (no celibato laico), por um lado, e como uma forma de elevação da condição humana, por outro, e se apresenta como uma forma alternativa com relação ao namoro e ou casamento. O meu enfoque não é tanto o celibato na vida cristã, mas o resgate do conceito secular para mostrar como ele ainda está presente na nossa cultura principalmente pelo incentivo à busca pelo prazer e o culto do eu.

Como falei no primeiro texto em que abordei comecei a abordar  a questão, um dos maiores problemas para o namoro como instituição, isto é, aquilo que malogra a estabilidade da relação é justamente quando uma das partes ou as duas misturam as duas formas de vida, em outras palavras, quando se quer namorar sem abrir mão da vida de solteiro. Não estou dizendo aqui que a pessoa abre mão de seus desejos pessoais: profissionais, sair com os amigos e fazer coisas que normalmente faria se estivesse solteiro, mas que querer ter uma namorada ou namorado, mas querer continuar a ser um conquistador, sedutor de outras parceiras geralmente tende a malograr a estabilidade da relação enquanto tal. Lembrando é claro que aqui eu não estou discutindo os chamados relacionamentos abertos que extrapolam a ideia central do namoro como vida partilhada a dois.

O outro problema que se apresenta é a preferência pela erótica em detrimento de um amor que valoriza o outro como igual, quando se opta pela erótica a relação só é interessante até o momento da conquista, a conservação da relação não é importante, pelo menos não para um relacionamento duradouro, porque na erótica a duração é medida pela atração exercida pelo outro e não pelo reconhecimento do outro como um igual digno de respeito, de cuidado e carinho. Por isso, também a paixão é apresentada como um problema, já que a paixão se alimenta de uma imagem projetada do amado e não daquilo que ele realmente é, não acolhe o amado com suas virtudes e vícios, mas apenas com aquilo que desejo ver nele.

Acredito que apresentei de modo geral a questão do celibato e a erótica. A ideia central do texto era expor a dimensão estética, hedonista e fugaz do celibato laico, não sei se atingi o objetivo, mas fiz um esforço de ao menos esboçar a questão.




terça-feira, 10 de junho de 2014

Incomunicável

E quando você não consegue se comunicar?
Quando o que você sente é inexprimível, e tudo que você sente não é verbalizável?
Essa sensação de desconforto inominável que me arranha como uma fera selvagem.
Essa dor que não dói, essa ferida que não sangra.
É o grito engolido pelo silêncio. É a desolação do deserto da vida.
Há dias assim, em que não sei reclamar da dor, que não sei chorar e que não sei viver.
Há dias em que simplesmente vivo como se estivesse morto.
Sempre tensionado pelo destino, sempre se transportando na nulidade do ato.
E então, o grito surdo, e o silêncio tagarela se fazem como correntes para me aprisionar em mim mesmo e me condenam ao afogamento do isolamento.

Em dias assim, fico apreensivo, e tenho medo. Em dias assim que a lágrima não vem que a dor não me faz gritar eu me sinto tão vivo que só morrendo é que parece que a lágrima e o grito poderão se manifestar.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Simulacro

Essa alegria disfarça a minha tristeza.
Como o brilho da lua engana meus olhos.
A lua brilha e sua luz não vem dela mesma.
Como a alegria que esconde a minha tristeza.

Sua voz disfarça o seu descaso
Como um simulacro da preocupação.
Seus olhos maldosos brilham.
Mas não jogo o seu jogo para a sua decepção.

Não sei viver de simulacro
de casulo ou de casco.
Sei viver de peito aberto
Manifesto.

Não sei ser carcaça
Que se troca quando sai de moda.
Não sei ser carapaça para me esconder na toca.

Enquanto você é simulacro
Brilha com a luz que não é tua como se fosse
Enquanto você é dissimulado
Diz ter o que não é seu como se tivesse.

Antes a tristeza que a alegria fingida.
Antes a dor que o engano dessa ilusão.
Se é preciso imaginar Sísifo Feliz...

Só me resta abraçar a escuridão.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Sedução


Sedução é o brilho dos teus olhos.
Sedução é a suavidade esculpida nos teus lábios.
Sedução é a afabilidade dos teus longos cabelos.
Sedução é cada curva do teu corpo.

Quando você fala a disposição das palavras é sedução.
Sedução é outro nome para persuasão.
Sedução é a cor dos teus olhos.
Sedução é a maciez da tua pele que me aprisiona e me faz desejar seu abraço.
Sedução é a harmonia estética do teu rosto, formato do nariz e o modo de olhar.

Quando escuto a sua voz a disposição do som é sedução.
Sedução é outro nome para encantamento.
Sedução é o teu amor pelo saber.
Sedução é sobre tudo aquilo que você lê.
Sedução é o que me faz desejar você.

Quando vejo você parada a pensar, ou sentada a conversar é sedução.
Sedução é outro nome para prisão.
Sedução é ser você mesma.
Sedução é amar o que você ama livremente.
Sedução é quando você se irrita, é quando você ri sozinha.
Sedução é querer estar com você
Cativo, prisioneiro.
Nessa prisão sem grades
Nesse sonho que eu gostaria que durasse a vida toda.



Coração- Livro

Abri o meu coração como se fosse um livro de poesia
Nele continha versos sobre tudo que eu sentia.
Abri o meu coração como se fosse um romance
A história lá contada é uma ficção excitante.
Abri o meu coração, mas você não sabe ler.
Desconhece as razões que um coração pode ter.

Abri o meu coração que recitava uma elegia.
Estava triste de saudade perdido em agonia.
Abri o meu coração que entoava uma lamentação.
Cada lágrima era gota de chuva a regar os jardins do meu coração.

Abri o meu coração como um livro para você
Mas você não quis ler porque teve medo de me compreender.
Abri o meu coração e queria que você aprendesse
A ler com o seu coração e não com os medos e a tua aflição.

Agora o meu coração fechado se encontra
Abrir-se-á apenas para as pessoas sinceras e corajosas.
O coração fechado está como um livro que ninguém lê.
Na estante do esquecimento, esquecido por você.

Abri o meu coração com as razões que ele tinha.

Mas você não me compreendeu e preferiu ficar sozinha.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Eclipse do sol III

Nem uma palavra, dia cinza!
Nenhuma luz, nuvens espessas!
O sol foi encoberto pelas nuvens de chuva
Minhas lágrimas de agonia...
Tuas lágrimas de tristeza...

A cada dois dias uma palavra tua dirigida ao nada.
A cada minuto sou tomado pela ansiedade que me mata.
A lua encobriu o sol com a sua sombra escura e pálida
Escuridão em plena luz do dia...
Cegueira branca esquálida...

Esse dia-noite não tem fim.
Essa noite-dia sem estrelas.
E essa lua nova...
Sem brilho,
Sem brio.

Esse dia escuro de luz opaca, ofuscada.
Essa noite clara como o breu.
O sol foi encoberto pela lua cheia
Vermelha de raiva
O sol foi encoberto pelas nuvens de lágrimas.
Ah, esse eclipse que nunca acaba!

Ah, o herói trágico por fim se apaga.