segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Entre a Loucura e a Lucidez – Reflexão sobre a In – sanidade do Coringa em “A piada mortal” de Alan Moore.

Já pararam para pensar em qual é o limite entre a loucura e a lucidez? O que determina a nossa sanidade e a nossa normalidade? A piada mortal uma das histórias do Batman mais famosas e que está entre as mais lidas do universo das HQs. Escrita por Alan Moore em 1988 o foco da história é um plano do Coringa de tentar tirar a decência de Gordon fazendo o inominável, ele atira em Bárbara Gordon, sua filha, a violenta, fotografa para então, expor ao comissário de Gotham City.

O Cavaleiro das trevas consegue salvar James Gordon e encurralar o Coringa e tem uma das conversas mais incríveis do mundo dos quadrinhos.
Nessa conversa uma simples piada diz tudo o que precisaríamos saber sobre a loucura e a lucidez uma linha tênue, um pequeno feixe que estabelece a fronteira que separa os “normais” dos “anormais”. Batman sugere ao Coringa que poderia reabilitá-lo ao que o Coringa se lembra de uma piada e a conta em resposta a proposta do homem-morcego vejamos o teor da resposta do Coringa ao cavaleiro das trevas:

“Tinha dois caras num hospício e uma noite, eles decidiram que não queriam mais viver lá e resolveram fugir! Aí foram até a cobertura do hospício e viram, ao lado, o telhado de um outro prédio apontando para a lua apontando para a liberdade. Então, um dos sujeitos saltou sem problemas pro outro telhado, mas seu amigo se acovardou ele tinha medo de cair, sabe? Aí, o primeiro cara teve uma idéia. Ele disse: ‘Ei! Estou com a minha lanterna aqui. Vou acendê-la sobre o vão dos prédios e você atravessa pelo facho de luz!’ Mas o outro sacudiu a cabeça e disse: ‘O que? Você acha que sou louco?!’ E se você apagar a luz quando eu estiver no meio do caminho?’”

A piada contada pelo Coringa retrata imediatamente a relação doentia de Batman/Bruce Wayne com Coringa. Se analisarmos o Batman seria tão louco quanto o palhaço mais assustador de Gotham (E isso sem contar nos outros vilões igualmente doentes como o Charada e ou a Hera venenosa) A loucura de Bruce Wayne é ser Batman é assumir uma identidade ou um alter ego que escapole das normas sociais vigentes em todos os sentidos. 

E assim poderíamos dizer do Coringa cuja origem é uma incógnita se torna a personificação da loucura. No entanto, é curioso como nessa conversa temos como que uma inversão de sentido já que o salto de lucidez parte do Coringa e não do Batman. Esse salto de lucidez é manifesto na piada, já que o que o coringa quer dizer é que o Batman seria o louco que oferece ao colega igualmente insano uma saída.

Mas se pensarmos essa piada dentro do roteiro magistral de Alan Moore veremos que o esforço do Coringa em tentar corromper James Gordon, é na verdade como que uma tentativa de mostrar a linha estreita entre a loucura e a lucidez. Para o Coringa não há limites, a sanidade e a insanidade são a mesma coisa, estamos todos no mesmo hospício e não questionamos a nossa loucura, essa loucura chamada sociedade. 

Talvez ainda que não quiséssemos viver mais no hospício a nossa loucura não acabaria, no fundo é isso que o Coringa me parece querer dizer, que a loucura é o outro lado da mesma moeda, ou como diz o Coringa encarnado por Heath Leadge: “o que não me mata me deixa mais estranho”.
E se pensarmos em como Camus no “O Homem revoltado” pinta a nossa constante busca por sentido ao se deparar com o absurdo da existência, podemos nos sentir como o Dândi revoltado de Humberto Gessinger, um estrangeiro, um passante que em seu trânsito pelo mundo está à procura de um sentido para essa loucura chamada vida.

Não sei dizer se o Coringa está certo, às vezes me lembro de Foucault e a sua História da Loucura, e mesmo do velho Freud que não me deixa esquecer que entre a lucidez e a loucura há a neurose em maior ou menor grau, mas ela está lá à espreita nos assistindo, heróis trágicos que somos esperando a morte fim dessa grande encenação que é a vida.