segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Os perigos das redes sociais ou a sedução do canto da sereia


 

“Sereias serão tua primeira prova. Elas encantam todos os que porventura passam por elas. Quem inadvertidamente se entregar ao canto delas nunca mais retornará ao lar, nunca mais cairá nos braços da mulher, não verá os pequerruchos nunca mais. Elas enfeitiçam os que passam, acomodadas num prado. Em torno, montes de cadáveres em decomposição, peles presas a ossos. Evita as rochas. Tampa com cera os ouvidos dos teus companheiros para não caírem na armadilha sonora. Se entretanto, quiseres o mel do concerto delas, ordena que te amarrem de pés e mãos ereto no mastro. Que o nó seja duplo. Entrega-te, então, ao prazer de ouvi-las. Se, por acaso, pedires que afrouxem as cordas, ordena-lhes que as apertem ainda mais” (HOMERO, Odisséia XII 40-55).

 

Pensando na passagem acima da Odisséia de Homero, tenho refletido sobre as armadilhas escondidas na internet, principalmente nas redes sociais. O documentário Dilema das redes disponibilizado na Netflix, o livro Os engenheiros do caos de Giuliano Da Empoli já haviam chamado a minha atenção para as armadilhas escondidas nos algoritmos das redes sociais que tal qual o canto da sereia quer nos aprisionar na melodia que seduz o espírito e anestesia a mente.

Os algoritmos trabalham para estimular certos comportamentos nos usuários da rede social fazendo com que, por um lado, encontrem pessoas que se identificam por suas ideias e aspirações, de outro lado, reforcem nelas crenças e posicionamentos sobre o mundo. O objetivo desses algoritmos é estabelecer parâmetros que tornem a rede social atraente para o usuário, tal qual uma arapuca com a sua isca seu objetivo é “aprisionar” o usuário em uma determinada rede social mantendo-o conectado o maior tempo possível. Talvez a metáfora da arapuca não faça jus ao que de fato faz o algoritmo numa rede social. Entretanto, o canto da sereia descrito na Odisséia pode nos ajudar a ver de que modo o algoritmo nos atrai e condiciona na virtualidade das redes sociais.

Basicamente, as redes sociais coletam informações sobre o uso que delas fazemos. Cruza essa informação com as relações virtuais que estabelecemos e o que publicamos. Tendo sido coletadas, essas informações apresentam um perfil para o algoritmo que vai apresentar para aquele usuário o material que ele eventualmente vai desejar consumir. Fundamentalmente, o algoritmo manipula esse material cruzando informações entre usuários, empresas e seus anúncios de modo a produzir a teia que vai segurar os usuários.

Um canto da sereia poderíamos dizer. Com efeito, o algoritmo entoa através das informações que coleta a melodia imortalizada no poema homérico.

Na mitologia segundo Homero, as sereias entoavam uma melodia irresistível que prendia a atenção dos marinheiros que as escutava e estes se afogavam no mar. Para escapar das sereias, Odisseu foi amarrado ao mastro de seu navio e os marinheiros colocaram cera nos ouvidos para não se deixar seduzir pelo canto daqueles entes mitológicos. Odisseu se privou do uso da cera de ouvido para se deleitar com o cântico das sereias, mas disse aos seus companheiros que em hipótese alguma deveria ser solto ainda que implorasse.

Se na mitologia o canto da sereia encerrava a morte e perdição dos homens. Nas redes sociais os algoritmos emulam o canto da sereia na exata medida em que o canto no mito suspende o juízo e recrudesce o pensamento. No mito o cântico é tão belo e atraente que a atenção de quem o escuta se volta por completo para a melodia. O marinheiro esquece que está no mar e sucumbe afogando-se nas águas em êxtase com a voz das sereias. Nas redes sociais o cântico vem na forma de uma opinião, um “like” ou um comentário numa postagem sua ou de outra pessoa. Sua atenção é capturada e sem perceber o usuário fica preso numa prisão sem grades. Pronto o usuário foi capturado pelo canto da sereia.

 

O ser humano é um animal gregário, tem necessidade de se sentir parte de um grupo. Busca relações de afinidades e pode por vezes se posicionar buscando aceitação de um grupo qualquer. As redes sociais fornecem em tempo real as condições para formação de grupos pequenos, médios ou grandes em que pessoas se encontram para falar do que gostam, do que não gostam. Buscam confirmar suas crenças e se diferenciar de outros grupos e comportamentos. Até certo ponto essas atitudes são naturais. As culturas se desenvolvem assim a partir de valores partilhados e o esforço de cooperação e ou competição mútuos. Todavia, quando nos deixamos aprisionar em certo grau de dogmatismo em que pesa o nosso interesse de confirmar a nossa crença corremos o risco de desaprender a conviver com o diferente e de aceitar a divergência como parte de uma experiência da vida social inteiramente saudável.

O viés de confirmação é um fenômeno muito comum nas redes sociais. O usuário procura consumir opiniões e posicionamentos que reflitam a suas crenças. Numa rede social qualquer é comum que um grupo de amigos reflita um conjunto de crenças partilhadas naturalmente como poderia acontecer fora do ambiente virtual. Mas se o algoritmo entende que quanto mais aparecer daquela opinião no ambiente virtual mais tempo o usuário vai permanecer conectado essa ferramenta vai apresentar para o usuário outros perfis, e conteúdos que tenham semelhança com as opiniões de seus amigos virtuais incentivando e confirmando essas crenças. Vez ou outra vai deixar escapar um posicionamento divergente, esses posicionamentos também geram engajamento do usuário.

Notemos que a armadilha consiste em atrair a atenção e suspender o juízo crítico do usuário. O perigo mora justamente nesse traço da vida virtual. Parte da radicalização que encontramos no ambiente virtual vem desse traço das redes. Quando usuários compreendem o funcionamento do algoritmo de uma rede eles podem de alguma forma manipular e em alguma medida controlar a realidade nesse ambiente virtual.

Pessoas que buscam confirmar suas crenças tendem a suspender o juízo, porque desejam exatamente endossar sua visão de mundo e não confrontá-la. Quem entende o algoritmo usa-o a seu favor para atrair essas pessoas que cairão no canto da sereia e fazendo uso da melodia sedutora coloniza a realidade e a fragmenta. O naufrágio das mentes que se afogam no radicalismo das redes, nas tribos e grupos que espelham e ecoam as mesmas ideias.

Atravessar esses mares bravios com sereias encantadoras pede cera nos ouvidos e coragem para aceitar que a realidade sempre se impõe. Pensar criticamente não é pensar assim ou assado. Pensar criticamente é pensar por si mesmo aceitando o mundo não se adequa caprichosamente as minhas expectativas sobre ele.

 

Brener Alexandre 10/09/2021

sábado, 24 de outubro de 2020

A política real na ficção e o seu desencantamento

 

Quando a série da Netflix  House of Cards estava fazendo sucesso no Brasil, eu não quis assisti-la. Estava interessado em outras séries e o fato da maioria dos comentários sobre a série ter sido relacionada a conduta do então deputado e presidente da Câmara Eduardo Cunha e sua postura agressiva contra a então presidente da República Dilma Rousseff, me fez esperar o calor do momento e colocar a série de lado. Isso aconteceu lá pelos idos de 2015.

Estamos em 2020 e número de séries que abordam os bastidores da política aumentaram. A Netflix disponibilizou Borgen e Designed Survivor duas outras séries alucinantes sobre os bastidores do poder.

Quando House of Cards estava fazendo sucesso havia também The Crown que havia me despertado interesse pela minha curiosidade sobre a monarquia inglesa.

O que esses seriados têm de tão interessante? Comecei a assistir House of cards, Borgen e Designed Survivor quase que ao mesmo tempo, enquanto aguardo a nova temporada de The Crown. E percebi que o que torna estas séries interessantes é sua abordagem dos bastidores do poder e de como este background ético-social nem sempre é absorvido pela sociedade civil que vê a sombra, mas não sabe muitas vezes de ondem vem a luz que criou aquela sombra.

Max Weber (1864-1920) descreve o processo de secularização e de ruptura com o sobrenatural sob a forma do misticismo como um processo de desencantamento. O desencantamento do mundo que abole o sobrenatural, o místico e a superstição com a qual a natureza e a religião se associavam no mundo pré-moderno misturando, ciência e religião (visão significativamente presente no mundo antigo e medieval). O desencantamento é o ponto de virada em que a ciência substitui a religião, ainda que não a faça desaparecer da explicação dos fenômenos naturais, um triunfo por suposto da razão (ideal iluminista fruto da revolução científica). O desencantamento estilhaça o sobrenatural e naturaliza o mundo retirando entes fantásticos da explicação da natureza e reduzindo o alcance do sagrado na interpretação do mundo natural.

Tomando esse conceito weberiano emprestado penso que esses seriados se vistos com atenção, guardando as proporções inerentes a ficção e a dramatização que encerram promovem o desencantamento da política.

Quero dizer com isso que quando um seriado como House of Cards, ou Borgen nos mostra os bastidores do poder, suas lutas internas e conflitos estes seriados desenvolvem em nós, ou deveriam desenvolver uma habilidade de compreender que a política não pode ser romantizada, idealizada, ou seja, transformada em uma utopia.

Ao nos revelar a natureza da Realpolitik, da política real esses seriados nos convidam a exercitar nossa razão, nos exorta à reflexão sobre a natureza das relações políticas na democracia representativa, monarquias constitucionais  etc e tenhamos a certeza de que o exercício do poder para ser possível precisa endurecer o agente político para que o pragmatismo e ou as convicções partidárias tenham algum peso sobre as decisões de governo. Não há amigos no meio político, há aliados e adversários. Há situação e oposição. Há interesses que estão em conflito, mas que podem convergir se houver algumas concessões trocadas. A política  é ciência do conflito de interesses e o diálogo e o consenso é apenas uma das formas, talvez a melhor para solução desses conflitos de interesses das quais a política se alimenta.

Esse desencantamento não significa, reitero um endosso a antipolítica, não é um convite a aversão da atividade política. A atividade política é necessária e importante. O desencantamento significa justamente uma ampliação da nossa consciência de que a política é feita de acordos, de negociações, espúrias ou não. De arbitrariedades e de jogos de interesses. As arbitrariedades refletem os jogos de interesses que podem ou não passar por cima da lei, é jogo de forças e de influências.

É preciso então, que o cidadão que só vê a sombra, mas não vê a luz se pergunte: “a quem interessa que está sombra esteja projetada aqui?” E pense: “a verdade nem sempre será perceptível a um primeiro momento, é preciso aguardar até que ela apareça”. E se a verdade não aparecer? Fiquemos então com o que nos parece razoáveis, por que nos bastidores do poder é melhor sempre pender para o razoável e correr das soluções radicais.

 

 

Brener Alexandre 24/10/20

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

A alegoria das mesas e as formas de democracia em cada uma delas

 

Se eu tivesse que explicar a alguém o que é democracia tendo de recorrer a uma analogia de fácil entendimento, diria que este regime de origem grega é semelhante a uma mesa na qual todos os que se assentam junto a esta mesa tem os mesmos direitos e os mesmos deveres, uma mesa sem lados, uma mesa redonda.

 

Dito isso, explicaria que numa mesa redonda não há extremidades e todos estão sentados à direita ou à esquerda de alguém. Ninguém teria o direito de reclamar uma importância, porque nesta mesa não há cabeceira e todos são anfitriões uns dos outros.

Diria ainda que a mesa redonda é forma mais madura da democracia e que mesas com lados e extremidades são formas incompletas ou imperfeitas do que chamamos de democracia em nossa analogia.

 

Se a democracia é uma mesa quadrada ou triangular ainda assim estaríamos nos assentando à direita ou à esquerda de alguém. Isso é fácil de se observar levando em conta que as nossas mãos sinalizam o lado em que cada um se assenta. Entretanto, os que se veem de frente se perceberão como extremos opostos entre si.

 

Se a mesa é retangular, em cada lado haverá de se assentar também à direita e à esquerda, a diferença, no entanto, está que cada lado vai ver o companheiro ao lado como um espectro também mais à direita ou à esquerda de si mesmo e quem está no centro será o mais atacado visto por quem está nas extremidades da mesa, além de ver quem se assenta do outro lado da mesa como seu antípoda ideológico.

 

Quando a democracia se assemelha a uma mesa retangular a cabeceira é o pior lugar para se assentar. Afinal, quem se assenta na cabeceira chama para si a responsabilidade do anfritrião, é o sujeito que vai “pagar a conta”. Nesse caso, pagar a conta significa levar a sua posição as últimas consequências. Desse modo, numa mesa retangular as cabeceiras da mesa deveriam sempre ficar vazias, são extremos que malogram a democracia que a mesa representa nesta alegoria.

 

Todavia, só a mesa redonda garante isonomia (igualdade perante a lei) e isegoria (igual direito a palavra), de modo que nas outras formas incompletas da democracia um ou mais membros da mesa podem querer destruir o equilíbrio atacando quem de sua perspectiva ameaça o seu “direito ao poder”. 

 

Desse modo, é preciso reconhecer que no regime democrático tal qual uma mesa com vários lugares sempre estaremos à direita, à esquerda e no centro tendo o outro como referência para nós e sabendo que o outro também se percebe assim em relação à nós enquanto estamos sentados à mesa da democracia.

 

A mesa redonda, portanto, é a democracia plena na qual cada parte da sociedade por meio de seus representantes legais opinião e participam respeitosamente do debate público.

De outro modo, nas democracias instáveis sempre haverá quem queira retirar do interlocutor o seu direito à isonomia e a isegoria, sempre vai lutar pela cabeceira para se colocar nos extremos e pôr-se acima dos lados a sua volta.

 

Brener Alexandre 24/08/2020

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Considerações sobre a diferença entre “entender” e “concordar”


Toda comunicação, no ensino e aprendizado, ou no exercício dialógico cotidiano passa por etapas “invisíveis”. Quando estudamos gramática, redação, sintaxe, ou somos interpelados pela interpretação de um texto ainda na infância o que se espera de nós é que sejamos capazes de nos comunicar. Dito de outro modo, a escrita e a oralidade embora prescinda de uma técnica rigorosa para funcionar precisa ser ensinada, se desejamos que essa comunicação seja bem executada.

Os gregos foram pioneiros no estudo da linguagem, os sofistas introduziram estudos sobre sintaxe, uso correto das palavras (orthoépia) e desenvolveram a retórica como exercício prático para uso das palavras no discurso. Sócrates também em diálogo aberto com a sofística vai desenvolver o problema das definições e introduz ainda sem algum rigor e sistematização a questão da conotação e denotação de termos no discurso.

Platão e Aristóteles vão além, continuam o legado socrático, catalogam o trabalho dos sofistas e o aprimoram retomando Parmênides e o problema do ser são os responsáveis por estruturar a lógica como ferramenta do pensar. Fica claro para nós que a comunicação e o discurso são muito importantes para os antigos gregos.

O problema da linguagem é amplamente debatido na filosofia. Os medievais com o problema dos universais e o nominalismo, os modernos em seus estudos sobre os limites do conhecimento humano e a retomada da lógica, o desenvolvimento da semiótica e o renascimento da hermenêutica no inicio do século XX nos mostra como o ser humano necessita de se comunicar e se fazer compreender.
Os filósofos e demais estudiosos da linguagem tem se debruçado sobre o assunto.

Percebemos, no entanto, que muitas pessoas nunca “atinaram” para o problema. As redes sociais têm mostrado e demonstrado que as pessoas estão perdendo a capacidade de dialogar. Em parte essa culpa vem de algumas concepções educacionais e filosóficas que invertem a ordem dos processos mentais no afã de estimular a criticidade que se esconde sob o fantasma da opinião e da intenção subjetiva. Opinião de quem se pensa como capaz de efetivamente julgar indiferente de uma análise fruto de uma deliberação, e sim a partir do critério dos “achismos” ensimesmados que ecoam como vontade de quem se manifesta.

Pensar a linguagem não é tarefa fácil, tanto quanto não é fácil discutir ética, política e metafísica, mas lançar alguma luz sobre o assunto pode nos ajudar a melhorar a comunicação de modo a refletir em nossa postura dialógica. No ambiente virtual esse problema é mais impactante posto que nem sempre podemos ver a linguagem corporal e ficamos ainda mais condicionados a incompreensibilidade de que se comunica conosco.

Desse modo, ao apresentar essas poucas linhas sobre entender e concordar que fique claro que a minha intenção é abrir uma discussão e não encerrar o assunto.
Com efeito, estou explorando, a grosso modo, um tema filosófico caríssimo a muitos colegas filósofos e linguistas e meu interesse é apenas partilhar um pouco do que tenho pensado sobre este problema filosófico.

Quando acentuamos a diferença entre entender e concordar queremos dizer que se trata de dois grandes movimentos realizados no interior de nosso aparelho cognitivo com nítida repercussão na tomada de nossas decisões cotidianas, das mais banais as mais importantes decisões morais que podemos tomar ao longo da vida.

O que significa entender? O que queremos dizer quando afirmamos que entendemos alguma coisa?
Ao afirmarmos que estamos a entender alguma coisa, queremos, com efeito, dizer que o conjunto de informações transferido pelo comunicante é inteligível. Significa dizer que o nosso aparelho cognitivo decodifica os sinais recebidos e os compreende, são claros e possuem sentido de modo que o conteúdo manifestado não é obscuro. Entender, portanto, é ter clareza sobre um conteúdo informado em uma mensagem comunicada (comunicação de qualquer natureza escrita, falada, codificada, etc.). O entendimento passa pelo trabalho mental de tradução dos sinais recebidos, são analisados e decodificados para formar uma mensagem coerente e inteligível. Quando uma ou mais dessas etapas falha a mensagem fica incompleta e incognoscível para quem a tem em mãos. Uma forma de visualizarmos o que estamos analisando é imaginar situações em que a informação de uma mensagem está incompleta. 

Por exemplo, um mapa incompleto é incapaz de informar uma localização. Um texto fragmentado não informa seu conteúdo com eficiência. Em ambos os casos a inteligência para ter acesso à informação precisa preencher a lacuna que interrompe a cadeia que estabelece a coerência entre os sinais presentes na mensagem, tal qual um quebra-cabeças que estando incompleto não apresenta a imagem inteira, mas apenas a apresenta parcialmente.

Desse modo, a inteligibilidade passa pela tradução dos sinais, sua análise e estruturação, de modo que a mensagem apresente sentido e coerência para quem a recebeu.
Entender algo é identificar ordem, coerência e significado em uma informação que recebemos. Evidentemente, a linguagem humana não é unívoca e, portanto, em suas várias camadas e estruturas de sentido e significado podem como muitas vezes acontece não ser totalmente claro apresentando ambiguidades e limitações discursivas que podem ou não ser propositais.

A importância da gramática, lógica, retórica e sintática se nos revela importante justamente porque nos ajuda a corrigir e a aperfeiçoar nossa capacidade comunicativa.
O grande lema dos filósofos analíticos do inicio do século passado enfatizava o papel da lógica como ferramenta de clarificação de conceitos. Para esses filósofos quanto mais claro é a mensagem, melhor é o argumento, posto que a coerência interna do pensamento é preservada pela clareza da exposição das ideias.

Por outro lado, quanto mais obtusa é a mensagem, pior o argumento, posto que a coerência interna do pensar fica comprometida pela falta de clareza que as conexões entre os conceitos apresentam no raciocínio do comunicante.

Há ainda um elemento importante para o êxito da comunicação, a saber, o reconhecimento do número de significados e sentidos que um sinal possui e os limites que a polissemia dos termos impõe à linguagem. O limite de significados e sentido permite ao vocábulo comunicar uma mensagem porque esse limite faz referência, isto é, sinaliza algo para o interlocutor que recebe a informação. Sem referencial entre o sinal linguístico e o objeto que se quer comunicar a mensagem fica comprometida.
Sendo assim, a clareza, o referencial que liga o sinal ao objeto a ser comunicado o entendimento e a comunicação se tornam muito difíceis se não impossível.

Concordar é outro movimento do intelecto, um movimento de adesão e assentimento ao conteúdo recebido. Parece meio óbvio dizer o que afirmamos acima, mas acontece que tem muita gente concordando sem saber com o quê concorda. A prática de dizer sim ao contrato sem ler muito recorrente quando instalamos um programa no computador ou no celular também é recorrente quando se trata de abraçar esquemas intelectuais, ideologias e mesmo modelos religiosos. Concordar só possível depois de entender. Porque a mensagem clara e a informação nítida me permite avaliar, isto é, criticar o conteúdo para que eu possa assentir ou não ao que se me apresenta.

Evidentemente, nem tudo que lemos e ouvimos exige de nós esse esforço de concordância. Mas quando se exige de nós esse movimento intelectual de assentimento a um determinado conteúdo este só pode ser feito se conhecemos as consequências dessa adesão. Por isso, é importante se informar a respeito de ideias que nos chamam a atenção, teorias que se propõem desvendar os segredos do mundo ou oferecer sentido a vida. Antes do engajamento se faz necessário meditar, perpetrar a contemplação das ideias e conceitos para que possamos assentir ou não. Dizer sim ou não ao que se apresenta como uma resposta a uma questão, um dilema ou um problema.

Que fique claro que concordar é assentir tanto quando cedemos ou construímos consenso com alguém, como quando dizemos isso faz sentido, é verdadeiro etc.
A concordância é uma adesão, isto é, é uma aceitação, sua disposição é afirmativa enquanto performance intelectual diante de uma informação e uma mensagem recebida.

Enquanto entender diz respeito apenas a compreensão do que é informado, ou da clarificação da informação trocada entre o remetente e o destinatário. O concordar é um passo adiante, implica numa escolha assentida na direção da informação trocada.

Entender e concordar são diferentes, entender é fundamental para a boa comunicação, e concordar só faz sentido se se está ciente dos riscos. Não há comunicação possível sem entendimento, mesmo em um monólogo. Não há concordância sem a coerência que me faça perceber que o meu concordar é um compromisso que assumo com ideias e ideais que eu acredito ser compatíveis com o meu estilo de vida e os valores que penso são corretos, verdadeiros e que dão sentido a vida que escolhi viver.

Brener Alexandre 19/04/2020