quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Hooligans: do esporte a política


Anos atrás repetíamos o adágio: “brasileiro devia discutir política como discute futebol”. Se soubéssemos o tamanho da bobagem contida nesta sentença, já haveríamos de nos arrepender de tratar um assunto tão sério com leviandade.
Não só não deveríamos discutir política como se discute futebol, como não deveríamos sequer discutir o futebol como se discute futebol.

A paixão, a afetividade desempenha um papel fundamental no estádio de futebol, inflama o torcedor que canta, vibra positivamente ou não reagindo aos atores em cena. Dentro do estádio, na roda de amigos durante o jogo, ou mesmo num bar. Antes do jogo, ou depois dele o que deve imperar é a razão. Esse precioso elemento que por vezes esquecemos ou simplesmente ignoramos quando falamos de futebol. O torcedor não pode ser só afetividade, não pode ser só coração, precisa da racionalidade para ler os fatos e ser justo com o seu time, o adversário e a arbitragem.

Conhecemos o fenômeno do hooliganismo no esporte marcando a atuação vergonhosa dos torcedores violentos. Violência física, violência verbal. Constranger e intimidar essas são as características do hooligan. No Brasil poderíamos usar a expressão “clubismo” como essa espécie de violência, pois, o clubista vê apenas as cores do seu clube, percebe apenas as necessidades do seu time do coração, pensa apenas nas vantagens que podem beneficiar o seu time. São violentos? Não, o são fisicamente (quero dizer em geral não o são), mas o são ideologicamente, pois são incapazes de diálogo. Não conseguem confrontar ideias e olhar sob perspectivas diferentes. Dito de outro modo, o clubista faz violência a sua maneira quando fecha os olhos para a realidade dos fatos em nome das cores do time do coração.

Infelizmente, importamos esse comportamento para o debate público, suspeito que ele já existia muito antes da polarização na qual estamos inseridos em tempos hodiernos.  E que agora com as mídias sociais e o acirramento do debate público esse comportamento tenha ganhado proporções que devem nos levar a refletir sobre o nosso modo de debater ideias.
As discordâncias fazem parte do regime democrático, não há democracia onde há unanimidade, não há democracia onde não há contraditório. Platão no diálogo Sofista escreve: “O pensamento é um diálogo de si consigo mesmo” (cito de memória). O pensamento é dialógico, precisa ver outras perspectivas, precisa do contraditório para se encaminhar à verdade. Se o raciocínio é um diálogo, quanto mais não o seria o debate de ideias?
No entanto, o que presenciamos no debate público é o que Platão chamou no diálogo Eutidemo de “mistérios sofísticos” onde os argumentos dançam, rodopiam e se entrelaçam para agredir e derrubar o interlocutor. Na peça platônica Eutidemo e seu irmão instrumentalizam o discurso para atingir um único fim: vencer. Não se trata de ter razão, não se trata de expor a verdade, trata-se de ganhar a discussão, no grito, por meio da violência.

Se debatêssemos as razões (motivações) das pessoas e as refutássemos com base em outras motivações legítimas teríamos, então, um debate saudável em torno de ideias e construiríamos uma democracia sólida onde as instituições nos orientariam para o império da lei. Discordaríamos sim, o que é natural em uma democracia sólida, porém, sob o império da lei e da razão aprenderíamos com nossas discordâncias, estabeleceríamos consenso e repudiaríamos os excessos. Se não podemos ser tolerantes com os intolerantes como escreveu Popper, também não podemos tolerar os abusos contra as instituições e a violência generalizada no debate público que assassina reputações, cerceia liberdades individuais e reduz ao silêncio cidadãos que estão cumprindo seus deveres e tem seus direitos respaldados pela constituição.

Não podemos aceitar mais que os hooligans pautem o debate público, é preciso enriquecer o diálogo para enriquecer a democracia incipiente brasileira.
E só podemos fazer isso se mudarmos nossa forma de discutir política, isto é, deixando as paixões de lado, o “clubismo” partidário-ideológico, e como Sócrates na República de Platão em diálogo franco com Polemarco buscando a justiça reveza com seu interlocutor por que um bem tão importante não pode ser ocultado por nenhuma das partes como o filósofo explicou para o sofista Trasímaco.
Em suma, ou mudamos a forma de debater ideias condenando ao ostracismo a violência que segrega quem pensa diferente ou, então, jamais construiremos uma república de fato em nosso país.

Brener Alexandre 20/09/2018