Anos
atrás repetíamos o adágio: “brasileiro devia discutir política como discute
futebol”. Se soubéssemos o tamanho da bobagem contida nesta sentença, já
haveríamos de nos arrepender de tratar um assunto tão sério com leviandade.
Não
só não deveríamos discutir política como se discute futebol, como não
deveríamos sequer discutir o futebol como se discute futebol.
A
paixão, a afetividade desempenha um papel fundamental no estádio de futebol,
inflama o torcedor que canta, vibra positivamente ou não reagindo aos atores em
cena. Dentro do estádio, na roda de amigos durante o jogo, ou mesmo num bar.
Antes do jogo, ou depois dele o que deve imperar é a razão. Esse precioso
elemento que por vezes esquecemos ou simplesmente ignoramos quando falamos de
futebol. O torcedor não pode ser só afetividade, não pode ser só coração,
precisa da racionalidade para ler os fatos e ser justo com o seu time, o adversário
e a arbitragem.
Conhecemos
o fenômeno do hooliganismo no esporte marcando a atuação vergonhosa dos
torcedores violentos. Violência física, violência verbal. Constranger e
intimidar essas são as características do hooligan. No Brasil poderíamos usar a
expressão “clubismo” como essa espécie de violência, pois, o clubista vê apenas
as cores do seu clube, percebe apenas as necessidades do seu time do coração,
pensa apenas nas vantagens que podem beneficiar o seu time. São violentos? Não,
o são fisicamente (quero dizer em geral não o são), mas o são ideologicamente,
pois são incapazes de diálogo. Não conseguem confrontar ideias e olhar sob perspectivas
diferentes. Dito de outro modo, o clubista faz violência a sua maneira quando
fecha os olhos para a realidade dos fatos em nome das cores do time do coração.
Infelizmente,
importamos esse comportamento para o debate público, suspeito que ele já
existia muito antes da polarização na qual estamos inseridos em tempos
hodiernos. E que agora com as mídias
sociais e o acirramento do debate público esse comportamento tenha ganhado
proporções que devem nos levar a refletir sobre o nosso modo de debater ideias.
As
discordâncias fazem parte do regime democrático, não há democracia onde há unanimidade,
não há democracia onde não há contraditório. Platão no diálogo Sofista escreve: “O pensamento é um
diálogo de si consigo mesmo” (cito de memória). O pensamento é dialógico,
precisa ver outras perspectivas, precisa do contraditório para se encaminhar à
verdade. Se o raciocínio é um diálogo, quanto mais não o seria o debate de
ideias?
No
entanto, o que presenciamos no debate público é o que Platão chamou no diálogo Eutidemo de “mistérios sofísticos” onde
os argumentos dançam, rodopiam e se entrelaçam para agredir e derrubar o
interlocutor. Na peça platônica Eutidemo e seu irmão instrumentalizam o
discurso para atingir um único fim: vencer. Não se trata de ter razão, não se
trata de expor a verdade, trata-se de ganhar a discussão, no grito, por meio da
violência.
Se
debatêssemos as razões (motivações) das pessoas e as refutássemos com base em
outras motivações legítimas teríamos, então, um debate saudável em torno de
ideias e construiríamos uma democracia sólida onde as instituições nos
orientariam para o império da lei. Discordaríamos sim, o que é natural em uma
democracia sólida, porém, sob o império da lei e da razão aprenderíamos com
nossas discordâncias, estabeleceríamos consenso e repudiaríamos os excessos. Se
não podemos ser tolerantes com os intolerantes como escreveu Popper, também não
podemos tolerar os abusos contra as instituições e a violência generalizada no
debate público que assassina reputações, cerceia liberdades individuais e reduz
ao silêncio cidadãos que estão cumprindo seus deveres e tem seus direitos
respaldados pela constituição.
Não
podemos aceitar mais que os hooligans pautem o debate público, é preciso
enriquecer o diálogo para enriquecer a democracia incipiente brasileira.
E
só podemos fazer isso se mudarmos nossa forma de discutir política, isto é,
deixando as paixões de lado, o “clubismo” partidário-ideológico, e como
Sócrates na República de Platão em diálogo franco com Polemarco buscando a
justiça reveza com seu interlocutor por que um bem tão importante não pode ser
ocultado por nenhuma das partes como o filósofo explicou para o sofista
Trasímaco.
Em
suma, ou mudamos a forma de debater ideias condenando ao ostracismo a violência
que segrega quem pensa diferente ou, então, jamais construiremos uma república
de fato em nosso país.
Brener
Alexandre 20/09/2018