“Se eu tivesse me
envolvido na política, teria sido conduzido à morte há muito tempo e não teria
feito nenhum bem a vós ou a mim mesmo” (PLATÃO, Apologia 31e).
O
termo “isentão” cunhado para desmerecer eleitores moderados que a priori não
assumem um posicionamento político claro e evidente, poderia ser claramente
atribuído a Sócrates no episódio celebre por ele mesmo contado através de
Platão, na qual ele não parte para o exílio junto com os membros do partido
popular quando a tirania dos trinta foi instaurada em Atenas.
O
relato da instauração da tirania dos trinta pode ser encontrado na Constituição de Atenas de Aristóteles
tal como segue abaixo:
Uma das cláusulas do tratado de paz (da
guerra do Peloponeso) estipulava que o Estado fosse por eles governado de
acordo com a Constituição dos ancestrais (provavelmente a constituição de
Sólon). Em consonância com isso o partido popular empenhou-se em preservar a
democracia. Os notáveis, porém, integrantes das associações políticas, bem como
exilados que já retornavam à pátria após a celebração da paz, almejavam a
oligarquia; quanto aos notáveis não pertencentes às associações políticas, mas
que em outros aspectos não se julgavam inferiores a quaisquer outros cidadãos,
estavam interessados em restaurar a Constituição dos ancestrais. (...) Quando Lisandro
se posicionou a favor do partido oligárquico, o povo sentiu-se pura e
simplesmente intimidado e forçado a votar em favor da oligarquia (ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 34).
Tendo
o povo aceitado a oligarquia como regime de governo a tirania dos trinta
assumiu o controle na cidade e segundo Aristóteles: “Senhores do Estado,
ignoraram no seu governo a maioria das resoluções que haviam sido aprovadas com
referência à Constituição” (ARISTÓTELES, Constituição
de Atenas, 35). A consequência imediata da displicência dos oligarcas no
que tange a fazer cumprir a Constituição tal qual acordada pelos atenienses é
descrita pelo Estagirita abaixo:
Inicialmente, agiram com moderação no
trato dos cidadãos e simularam administrar o Estado de acordo com a
Constituição dos ancestrais. (...) De início, portanto, ocupavam-se dessas
atividades, na eliminação dos fraudadores e daqueles que se associavam de
maneira indesejável ao povo lisonjeando-o e não passavam de indivíduos maldosos
e patifes. Diante de tudo isso, a cidade mostrava-se muito satisfeita, no pensamento
de agiam alimentando as melhores intenções. Mas tão logo consolidaram um
controle ainda mais firme do Estado, não pouparam nenhuma classe de cidadãos,
condenando à morte e executando aqueles que se distinguiam seja pela riqueza,
seja pelo nascimento, seja pela reputação. Com isso visavam a eliminar todos
que eles tinham motivo para temer,(...) (ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 35).
Notamos
um exemplo bastante eloquente de como um regime constitucional e estabelecido
por consenso e voto se torna gradativamente um regime autoritário e
autocrático. Não obstante assumir ou não uma posição diante desse estado de
coisas parece inevitável para qualquer um. Sócrates não assumiu um lado, não
apoiou a tirania e tampouco se retirou de Atenas com os membros do partido
popular. Sócrates não tinha partido, era inteiro. O filósofo procurava a
justiça e não a deixava de lado por medo da morte, seja no período em que
Atenas era uma democracia sob o governo do partido popular, seja na oligarquia com
a tirania dos trinta.
O
próprio Sócrates diz: “jamais me curvaria, por medo da morte, a qualquer pessoa
que contrariasse o que é justo, preferindo morrer a curvar me” (PLATÃO, Apologia 32a). E o que é justo para
Sócrates? O filósofo mesmo explica: “ter a lei e a justiça ao meu lado” e
completa “ a aliar-me a vós, quando vos empenhavas num procedimento injusto”
(PLATÃO, Apologia 32c). Quando Atenas ainda era uma democracia o filósofo se
recusou a votar pelo julgamento coletivo dos generais que falharam na batalha
de Arginusa, pois tal procedimento era ilegal subentenda inconstitucional.
Quando
Atenas é tomada pela oligarquia os tiranos que se tornaram “senhores do Estado”
tentavam implicar em seus crimes vários cidadãos, dentre os quais Sócrates. Em
um desses casos os tiranos exigiram de Sócrates e outros cidadãos que buscassem
um homem, Leon de Salamina, no exílio para ser executado. Enquanto, muitos
cidadãos movidos pelo medo saíram de Atenas para cumprir a ordem dos tiranos
Sócrates simplesmente retornou para a sua casa como nos relata Platão: “Aquele
governo, por mais poderoso que fosse, não me intimidou no sentido de realizar
algo injusto. Entretanto, quando saímos da rotunda, os outros quatro
dirigiram-se a Salamina e prenderam Leon. De minha parte, limitei-me a voltar
para a minha casa” (PLATÃO, Apologia 32d).
Quando
somos persuadidos pela razão que nos inclina para a justiça a força que pode
quebrar o corpo, manchar superficialmente a sua reputação, não pode retirar de
nós a virtude. Compreender no momento atual que estamos entre a cruz e a espada
é sensato. Mas não peça a ninguém que escolha entre um e outro movido pelo
medo, ou pelo ódio aos adversários. Ficar a meio caminho para observar o que
acontece com atenção não é covardia, é prudência! Buscar a mediania não é
tibieza é sensatez! Reconhecer as limitações dos discursos e exigir das partes
que sejam melhores do que se mostram é justo e legítimo, mais legítimo
inclusive do que fazer do debate público uma arena de MMA.
E
se é preciso ficar e resistir porque “ ao longo da minha vida, em qualquer atividade
pública em que possa ter me engajado sou o mesmo homem que da vida privada.
Jamais compactuei com alguém para uma ação injusta” (PLATÃO, Apologia 33a ). Eu
preciso lembrar constantemente que sou míope. De que preciso trocar os óculos
com os quais vejo o mundo regularmente. Então, preciso constantemente avaliar minhas
escolhas, me limpar de minhas contradições, reduzi-las ao máximo e ser dentro
do que a minha limitada e defeituosa condição humana permite que eu seja.
Por
isso, inspirado mais uma vez na história antiga, na filosofia antiga busco para
a razão um remédio que permita que eu veja e faça a outros que vejam também se
querem enxergar a realidade que não se curvem a tiranos. Que não abracem a
tirania de nenhum tipo. Porque seus seguidores mordazes ganharam terreno e se
alimentaram do que tínhamos de sonhos, se alimentaram como dementadores da
nossa tristeza, e incentivaram como sith a escuridão que escondemos de nós
mesmos.
Não
desmereçamos os “isentões” são eles, como eu, que irão decidir essas eleições.
Inclinando se ou não a um dos extremos, ou permanecendo no centro indicando que
nenhum dos dois extremos agradam à república e o verdadeiro Estado democrático
de direito.
Brener
Alexandre 23/10/2018