sábado, 24 de outubro de 2020

A política real na ficção e o seu desencantamento

 

Quando a série da Netflix  House of Cards estava fazendo sucesso no Brasil, eu não quis assisti-la. Estava interessado em outras séries e o fato da maioria dos comentários sobre a série ter sido relacionada a conduta do então deputado e presidente da Câmara Eduardo Cunha e sua postura agressiva contra a então presidente da República Dilma Rousseff, me fez esperar o calor do momento e colocar a série de lado. Isso aconteceu lá pelos idos de 2015.

Estamos em 2020 e número de séries que abordam os bastidores da política aumentaram. A Netflix disponibilizou Borgen e Designed Survivor duas outras séries alucinantes sobre os bastidores do poder.

Quando House of Cards estava fazendo sucesso havia também The Crown que havia me despertado interesse pela minha curiosidade sobre a monarquia inglesa.

O que esses seriados têm de tão interessante? Comecei a assistir House of cards, Borgen e Designed Survivor quase que ao mesmo tempo, enquanto aguardo a nova temporada de The Crown. E percebi que o que torna estas séries interessantes é sua abordagem dos bastidores do poder e de como este background ético-social nem sempre é absorvido pela sociedade civil que vê a sombra, mas não sabe muitas vezes de ondem vem a luz que criou aquela sombra.

Max Weber (1864-1920) descreve o processo de secularização e de ruptura com o sobrenatural sob a forma do misticismo como um processo de desencantamento. O desencantamento do mundo que abole o sobrenatural, o místico e a superstição com a qual a natureza e a religião se associavam no mundo pré-moderno misturando, ciência e religião (visão significativamente presente no mundo antigo e medieval). O desencantamento é o ponto de virada em que a ciência substitui a religião, ainda que não a faça desaparecer da explicação dos fenômenos naturais, um triunfo por suposto da razão (ideal iluminista fruto da revolução científica). O desencantamento estilhaça o sobrenatural e naturaliza o mundo retirando entes fantásticos da explicação da natureza e reduzindo o alcance do sagrado na interpretação do mundo natural.

Tomando esse conceito weberiano emprestado penso que esses seriados se vistos com atenção, guardando as proporções inerentes a ficção e a dramatização que encerram promovem o desencantamento da política.

Quero dizer com isso que quando um seriado como House of Cards, ou Borgen nos mostra os bastidores do poder, suas lutas internas e conflitos estes seriados desenvolvem em nós, ou deveriam desenvolver uma habilidade de compreender que a política não pode ser romantizada, idealizada, ou seja, transformada em uma utopia.

Ao nos revelar a natureza da Realpolitik, da política real esses seriados nos convidam a exercitar nossa razão, nos exorta à reflexão sobre a natureza das relações políticas na democracia representativa, monarquias constitucionais  etc e tenhamos a certeza de que o exercício do poder para ser possível precisa endurecer o agente político para que o pragmatismo e ou as convicções partidárias tenham algum peso sobre as decisões de governo. Não há amigos no meio político, há aliados e adversários. Há situação e oposição. Há interesses que estão em conflito, mas que podem convergir se houver algumas concessões trocadas. A política  é ciência do conflito de interesses e o diálogo e o consenso é apenas uma das formas, talvez a melhor para solução desses conflitos de interesses das quais a política se alimenta.

Esse desencantamento não significa, reitero um endosso a antipolítica, não é um convite a aversão da atividade política. A atividade política é necessária e importante. O desencantamento significa justamente uma ampliação da nossa consciência de que a política é feita de acordos, de negociações, espúrias ou não. De arbitrariedades e de jogos de interesses. As arbitrariedades refletem os jogos de interesses que podem ou não passar por cima da lei, é jogo de forças e de influências.

É preciso então, que o cidadão que só vê a sombra, mas não vê a luz se pergunte: “a quem interessa que está sombra esteja projetada aqui?” E pense: “a verdade nem sempre será perceptível a um primeiro momento, é preciso aguardar até que ela apareça”. E se a verdade não aparecer? Fiquemos então com o que nos parece razoáveis, por que nos bastidores do poder é melhor sempre pender para o razoável e correr das soluções radicais.

 

 

Brener Alexandre 24/10/20

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

A alegoria das mesas e as formas de democracia em cada uma delas

 

Se eu tivesse que explicar a alguém o que é democracia tendo de recorrer a uma analogia de fácil entendimento, diria que este regime de origem grega é semelhante a uma mesa na qual todos os que se assentam junto a esta mesa tem os mesmos direitos e os mesmos deveres, uma mesa sem lados, uma mesa redonda.

 

Dito isso, explicaria que numa mesa redonda não há extremidades e todos estão sentados à direita ou à esquerda de alguém. Ninguém teria o direito de reclamar uma importância, porque nesta mesa não há cabeceira e todos são anfitriões uns dos outros.

Diria ainda que a mesa redonda é forma mais madura da democracia e que mesas com lados e extremidades são formas incompletas ou imperfeitas do que chamamos de democracia em nossa analogia.

 

Se a democracia é uma mesa quadrada ou triangular ainda assim estaríamos nos assentando à direita ou à esquerda de alguém. Isso é fácil de se observar levando em conta que as nossas mãos sinalizam o lado em que cada um se assenta. Entretanto, os que se veem de frente se perceberão como extremos opostos entre si.

 

Se a mesa é retangular, em cada lado haverá de se assentar também à direita e à esquerda, a diferença, no entanto, está que cada lado vai ver o companheiro ao lado como um espectro também mais à direita ou à esquerda de si mesmo e quem está no centro será o mais atacado visto por quem está nas extremidades da mesa, além de ver quem se assenta do outro lado da mesa como seu antípoda ideológico.

 

Quando a democracia se assemelha a uma mesa retangular a cabeceira é o pior lugar para se assentar. Afinal, quem se assenta na cabeceira chama para si a responsabilidade do anfritrião, é o sujeito que vai “pagar a conta”. Nesse caso, pagar a conta significa levar a sua posição as últimas consequências. Desse modo, numa mesa retangular as cabeceiras da mesa deveriam sempre ficar vazias, são extremos que malogram a democracia que a mesa representa nesta alegoria.

 

Todavia, só a mesa redonda garante isonomia (igualdade perante a lei) e isegoria (igual direito a palavra), de modo que nas outras formas incompletas da democracia um ou mais membros da mesa podem querer destruir o equilíbrio atacando quem de sua perspectiva ameaça o seu “direito ao poder”. 

 

Desse modo, é preciso reconhecer que no regime democrático tal qual uma mesa com vários lugares sempre estaremos à direita, à esquerda e no centro tendo o outro como referência para nós e sabendo que o outro também se percebe assim em relação à nós enquanto estamos sentados à mesa da democracia.

 

A mesa redonda, portanto, é a democracia plena na qual cada parte da sociedade por meio de seus representantes legais opinião e participam respeitosamente do debate público.

De outro modo, nas democracias instáveis sempre haverá quem queira retirar do interlocutor o seu direito à isonomia e a isegoria, sempre vai lutar pela cabeceira para se colocar nos extremos e pôr-se acima dos lados a sua volta.

 

Brener Alexandre 24/08/2020

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Considerações sobre a diferença entre “entender” e “concordar”


Toda comunicação, no ensino e aprendizado, ou no exercício dialógico cotidiano passa por etapas “invisíveis”. Quando estudamos gramática, redação, sintaxe, ou somos interpelados pela interpretação de um texto ainda na infância o que se espera de nós é que sejamos capazes de nos comunicar. Dito de outro modo, a escrita e a oralidade embora prescinda de uma técnica rigorosa para funcionar precisa ser ensinada, se desejamos que essa comunicação seja bem executada.

Os gregos foram pioneiros no estudo da linguagem, os sofistas introduziram estudos sobre sintaxe, uso correto das palavras (orthoépia) e desenvolveram a retórica como exercício prático para uso das palavras no discurso. Sócrates também em diálogo aberto com a sofística vai desenvolver o problema das definições e introduz ainda sem algum rigor e sistematização a questão da conotação e denotação de termos no discurso.

Platão e Aristóteles vão além, continuam o legado socrático, catalogam o trabalho dos sofistas e o aprimoram retomando Parmênides e o problema do ser são os responsáveis por estruturar a lógica como ferramenta do pensar. Fica claro para nós que a comunicação e o discurso são muito importantes para os antigos gregos.

O problema da linguagem é amplamente debatido na filosofia. Os medievais com o problema dos universais e o nominalismo, os modernos em seus estudos sobre os limites do conhecimento humano e a retomada da lógica, o desenvolvimento da semiótica e o renascimento da hermenêutica no inicio do século XX nos mostra como o ser humano necessita de se comunicar e se fazer compreender.
Os filósofos e demais estudiosos da linguagem tem se debruçado sobre o assunto.

Percebemos, no entanto, que muitas pessoas nunca “atinaram” para o problema. As redes sociais têm mostrado e demonstrado que as pessoas estão perdendo a capacidade de dialogar. Em parte essa culpa vem de algumas concepções educacionais e filosóficas que invertem a ordem dos processos mentais no afã de estimular a criticidade que se esconde sob o fantasma da opinião e da intenção subjetiva. Opinião de quem se pensa como capaz de efetivamente julgar indiferente de uma análise fruto de uma deliberação, e sim a partir do critério dos “achismos” ensimesmados que ecoam como vontade de quem se manifesta.

Pensar a linguagem não é tarefa fácil, tanto quanto não é fácil discutir ética, política e metafísica, mas lançar alguma luz sobre o assunto pode nos ajudar a melhorar a comunicação de modo a refletir em nossa postura dialógica. No ambiente virtual esse problema é mais impactante posto que nem sempre podemos ver a linguagem corporal e ficamos ainda mais condicionados a incompreensibilidade de que se comunica conosco.

Desse modo, ao apresentar essas poucas linhas sobre entender e concordar que fique claro que a minha intenção é abrir uma discussão e não encerrar o assunto.
Com efeito, estou explorando, a grosso modo, um tema filosófico caríssimo a muitos colegas filósofos e linguistas e meu interesse é apenas partilhar um pouco do que tenho pensado sobre este problema filosófico.

Quando acentuamos a diferença entre entender e concordar queremos dizer que se trata de dois grandes movimentos realizados no interior de nosso aparelho cognitivo com nítida repercussão na tomada de nossas decisões cotidianas, das mais banais as mais importantes decisões morais que podemos tomar ao longo da vida.

O que significa entender? O que queremos dizer quando afirmamos que entendemos alguma coisa?
Ao afirmarmos que estamos a entender alguma coisa, queremos, com efeito, dizer que o conjunto de informações transferido pelo comunicante é inteligível. Significa dizer que o nosso aparelho cognitivo decodifica os sinais recebidos e os compreende, são claros e possuem sentido de modo que o conteúdo manifestado não é obscuro. Entender, portanto, é ter clareza sobre um conteúdo informado em uma mensagem comunicada (comunicação de qualquer natureza escrita, falada, codificada, etc.). O entendimento passa pelo trabalho mental de tradução dos sinais recebidos, são analisados e decodificados para formar uma mensagem coerente e inteligível. Quando uma ou mais dessas etapas falha a mensagem fica incompleta e incognoscível para quem a tem em mãos. Uma forma de visualizarmos o que estamos analisando é imaginar situações em que a informação de uma mensagem está incompleta. 

Por exemplo, um mapa incompleto é incapaz de informar uma localização. Um texto fragmentado não informa seu conteúdo com eficiência. Em ambos os casos a inteligência para ter acesso à informação precisa preencher a lacuna que interrompe a cadeia que estabelece a coerência entre os sinais presentes na mensagem, tal qual um quebra-cabeças que estando incompleto não apresenta a imagem inteira, mas apenas a apresenta parcialmente.

Desse modo, a inteligibilidade passa pela tradução dos sinais, sua análise e estruturação, de modo que a mensagem apresente sentido e coerência para quem a recebeu.
Entender algo é identificar ordem, coerência e significado em uma informação que recebemos. Evidentemente, a linguagem humana não é unívoca e, portanto, em suas várias camadas e estruturas de sentido e significado podem como muitas vezes acontece não ser totalmente claro apresentando ambiguidades e limitações discursivas que podem ou não ser propositais.

A importância da gramática, lógica, retórica e sintática se nos revela importante justamente porque nos ajuda a corrigir e a aperfeiçoar nossa capacidade comunicativa.
O grande lema dos filósofos analíticos do inicio do século passado enfatizava o papel da lógica como ferramenta de clarificação de conceitos. Para esses filósofos quanto mais claro é a mensagem, melhor é o argumento, posto que a coerência interna do pensamento é preservada pela clareza da exposição das ideias.

Por outro lado, quanto mais obtusa é a mensagem, pior o argumento, posto que a coerência interna do pensar fica comprometida pela falta de clareza que as conexões entre os conceitos apresentam no raciocínio do comunicante.

Há ainda um elemento importante para o êxito da comunicação, a saber, o reconhecimento do número de significados e sentidos que um sinal possui e os limites que a polissemia dos termos impõe à linguagem. O limite de significados e sentido permite ao vocábulo comunicar uma mensagem porque esse limite faz referência, isto é, sinaliza algo para o interlocutor que recebe a informação. Sem referencial entre o sinal linguístico e o objeto que se quer comunicar a mensagem fica comprometida.
Sendo assim, a clareza, o referencial que liga o sinal ao objeto a ser comunicado o entendimento e a comunicação se tornam muito difíceis se não impossível.

Concordar é outro movimento do intelecto, um movimento de adesão e assentimento ao conteúdo recebido. Parece meio óbvio dizer o que afirmamos acima, mas acontece que tem muita gente concordando sem saber com o quê concorda. A prática de dizer sim ao contrato sem ler muito recorrente quando instalamos um programa no computador ou no celular também é recorrente quando se trata de abraçar esquemas intelectuais, ideologias e mesmo modelos religiosos. Concordar só possível depois de entender. Porque a mensagem clara e a informação nítida me permite avaliar, isto é, criticar o conteúdo para que eu possa assentir ou não ao que se me apresenta.

Evidentemente, nem tudo que lemos e ouvimos exige de nós esse esforço de concordância. Mas quando se exige de nós esse movimento intelectual de assentimento a um determinado conteúdo este só pode ser feito se conhecemos as consequências dessa adesão. Por isso, é importante se informar a respeito de ideias que nos chamam a atenção, teorias que se propõem desvendar os segredos do mundo ou oferecer sentido a vida. Antes do engajamento se faz necessário meditar, perpetrar a contemplação das ideias e conceitos para que possamos assentir ou não. Dizer sim ou não ao que se apresenta como uma resposta a uma questão, um dilema ou um problema.

Que fique claro que concordar é assentir tanto quando cedemos ou construímos consenso com alguém, como quando dizemos isso faz sentido, é verdadeiro etc.
A concordância é uma adesão, isto é, é uma aceitação, sua disposição é afirmativa enquanto performance intelectual diante de uma informação e uma mensagem recebida.

Enquanto entender diz respeito apenas a compreensão do que é informado, ou da clarificação da informação trocada entre o remetente e o destinatário. O concordar é um passo adiante, implica numa escolha assentida na direção da informação trocada.

Entender e concordar são diferentes, entender é fundamental para a boa comunicação, e concordar só faz sentido se se está ciente dos riscos. Não há comunicação possível sem entendimento, mesmo em um monólogo. Não há concordância sem a coerência que me faça perceber que o meu concordar é um compromisso que assumo com ideias e ideais que eu acredito ser compatíveis com o meu estilo de vida e os valores que penso são corretos, verdadeiros e que dão sentido a vida que escolhi viver.

Brener Alexandre 19/04/2020

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

O naufrágio da oportunidade – considerações sobre o pragmatismo na política


Um dos conceitos mais importantes da ética filosófica e da teologia cristã é o conceito de kairós. Esta palavra de origem grega expressa uma ideia de tempo junto com outras palavras tais quais: chronos, hama, aíon(respectivamente: tempo, simultâneo e eterno numa tradução livre). Kairós é traduzido para a língua portuguesa como “momento oportuno”, “oportunidade” quando lido nos textos filosóficos e na teologia se refere ao “momento propício para a salvação”, isto é, exprime o caráter soteriológico, salvifíco que a vinda de Jesus Cristo, sua morte e ressurreição trazem para todo aquele que acolhe a mensagem do Evangelho.

Aristóteles nos ensina que a virtude (excelência na ação) depende também das condições em que a ação se dá para que o resultado seja o melhor possível.  Resultado melhor não é meramente uma vantagem obtida com a ação, mas o cumprimento adequado da finalidade que se espera da ação para que o bem buscado pelo agente frutifique como ação justa e bela.

Desse modo, Aristóteles estabelece que a ponderação para a escolha dos melhores meios com o objetivo de atingir o fim desejado precisa ser filtrada pela prudência (phronésis) que contabiliza as consequências e ajusta o timing da ação para o agir seja, com efeito, virtuoso.
Maquiavel também no Príncipe indica que ter oportunidade para agir, mas não possuir virtude e sorte (virtú e fortuna) pode malograr a ação e destruir verdadeiro objetivo do agente político, neste caso, a manutenção do poder.

Diríamos então, que prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém como diz o provérbio popular. A prudência é a virtude intelectual que ajuda o ser humano na tomada de decisões, é o “pé atrás” que nos põe a “pulga atrás da orelha”. É ela que separa a intenção de apenas buscar um resultado “satisfatório” de um resultado “eficaz e eficiente” como se diz na ética das virtudes.
Em Como Ganhar uma eleição, carta de Quintus Túlio Cicero endereçada ao seu irmão, orador, filósofo, senador da República Romana Marco Túlio Cicero que em 64 a.C. concorreu a eleição para o consulado (seria uma espécie de primeiro ministro fazendo uma analogia bem grosseira da função do cônsul na República, eram eleitos dois Cônsules). Nesta carta Quintus apresenta vários conselhos a seu irmão para ajuda-lo na corrida eleitoral, muito do que lemos neste texto antigo ainda é usado por candidatos nas eleições no mundo inteiro.

Em um dado momento da carta Quintus escreve a seu irmão: “um candidato deve ser prático, adaptando-se a cada pessoa que ele encontra, mudando sua expressão e fala conforme o necessário” (Cicero, Como ganhar uma eleição, 42). Esse conselho em particular reflete todo o teor do texto ciceroniano e a natureza pragmática que ele comporta. O agente político deve se adaptar para alcançar seus objetivos em síntese é isso que Quintus quer dizer ao irmão. Quer vencer a eleição o método é, por exemplo, dizer as pessoas o que elas querem ouvir, ou comunicar a cada um com quem você se encontrar que ela é especial etc. O resultado virá, mas a que custo? Esse utilitarismo tacanho beneficia a quem? (não estou evidentemente discutindo a grandeza de Cicero como político ou como escritor) A oportunidade naufraga no oportunismo e o pragmatismo com seu utilitarismo tacanho demove qualquer possibilidade de florescimento da virtude.

Numa eleição os únicos que se beneficiam do pragmatismo são os candidatos que alcançam o resultado que almejam, não por espírito público no mais das vezes, mas por interesses pouco republicanos em muitos casos (isso não significa que devemos demonizar a política. Maus políticos são resultado na maioria das vezes de nossas escolhas ruins e precisamos assumir nossa responsabilidade), de fato, numa democracia o poder reside no uso da palavra, no discurso. 

Todo agente político e o cidadão que vota é agente político também precisa compreender que a fonte de poder passa da palavra ao voto e do voto a palavra. Por isso, a democracia prima pelo conflito e pelo contraditório, prima pela descentralização do poder dividindo-o em partes, para que ninguém tenha o monopólio do discurso e da força.

Compete a todo agente político evitar o pragmatismo que ignora a prudência em nome do resultado, que contabiliza apenas a utilidade e suprime a excelência. Pensar o kairós, a oportunidade para agir com virtude é tarefa de todo agente político, de todo cidadão que toma parte na comunidade política com seu dinamismo.

Quintus ajudou seu irmão a vencer uma eleição, os marqueteiros têm ajudado muitos candidatos a ganhar outras nos dias de hoje, compete a nós eleitores pensar as entrelinhas dos discursos que ouvimos, agir com prudência, suspender o juízo antes de uma tomada de decisão que pode por tudo a perder.

Brener Alexandre 28/02/2020