Toda
comunicação, no ensino e aprendizado, ou no exercício dialógico cotidiano passa
por etapas “invisíveis”. Quando estudamos gramática, redação, sintaxe, ou somos
interpelados pela interpretação de um texto ainda na infância o que se espera
de nós é que sejamos capazes de nos comunicar. Dito de outro modo, a escrita e
a oralidade embora prescinda de uma técnica rigorosa para funcionar precisa ser
ensinada, se desejamos que essa comunicação seja bem executada.
Os
gregos foram pioneiros no estudo da linguagem, os sofistas introduziram estudos
sobre sintaxe, uso correto das palavras (orthoépia)
e desenvolveram a retórica como exercício prático para uso das palavras no
discurso. Sócrates também em diálogo aberto com a sofística vai desenvolver o
problema das definições e introduz ainda sem algum rigor e sistematização a
questão da conotação e denotação de termos no discurso.
Platão
e Aristóteles vão além, continuam o legado socrático, catalogam o trabalho dos
sofistas e o aprimoram retomando Parmênides e o problema do ser são os responsáveis
por estruturar a lógica como ferramenta do pensar. Fica claro para nós que a
comunicação e o discurso são muito importantes para os antigos gregos.
O
problema da linguagem é amplamente debatido na filosofia. Os medievais com o
problema dos universais e o nominalismo, os modernos em seus estudos sobre os
limites do conhecimento humano e a retomada da lógica, o desenvolvimento da
semiótica e o renascimento da hermenêutica no inicio do século XX nos mostra
como o ser humano necessita de se comunicar e se fazer compreender.
Os
filósofos e demais estudiosos da linguagem tem se debruçado sobre o assunto.
Percebemos,
no entanto, que muitas pessoas nunca “atinaram” para o problema. As redes
sociais têm mostrado e demonstrado que as pessoas estão perdendo a capacidade
de dialogar. Em parte essa culpa vem de algumas concepções educacionais e
filosóficas que invertem a ordem dos processos mentais no afã de estimular a
criticidade que se esconde sob o fantasma da opinião e da intenção subjetiva.
Opinião de quem se pensa como capaz de efetivamente julgar indiferente de uma
análise fruto de uma deliberação, e sim a partir do critério dos “achismos”
ensimesmados que ecoam como vontade de quem se manifesta.
Pensar
a linguagem não é tarefa fácil, tanto quanto não é fácil discutir ética,
política e metafísica, mas lançar alguma luz sobre o assunto pode nos ajudar a
melhorar a comunicação de modo a refletir em nossa postura dialógica. No
ambiente virtual esse problema é mais impactante posto que nem sempre podemos
ver a linguagem corporal e ficamos ainda mais condicionados a
incompreensibilidade de que se comunica conosco.
Desse
modo, ao apresentar essas poucas linhas sobre entender e concordar que fique
claro que a minha intenção é abrir uma discussão e não encerrar o assunto.
Com
efeito, estou explorando, a grosso modo, um tema filosófico caríssimo a muitos
colegas filósofos e linguistas e meu interesse é apenas partilhar um pouco do
que tenho pensado sobre este problema filosófico.
Quando
acentuamos a diferença entre entender e concordar queremos dizer que se trata
de dois grandes movimentos realizados no interior de nosso aparelho cognitivo
com nítida repercussão na tomada de nossas decisões cotidianas, das mais banais
as mais importantes decisões morais que podemos tomar ao longo da vida.
O
que significa entender? O que queremos dizer quando afirmamos que entendemos
alguma coisa?
Ao
afirmarmos que estamos a entender alguma coisa, queremos, com efeito, dizer que
o conjunto de informações transferido pelo comunicante é inteligível. Significa
dizer que o nosso aparelho cognitivo decodifica os sinais recebidos e os
compreende, são claros e possuem sentido de modo que o conteúdo manifestado não
é obscuro. Entender, portanto, é ter clareza sobre um conteúdo informado em uma
mensagem comunicada (comunicação de qualquer natureza escrita, falada,
codificada, etc.). O entendimento passa pelo trabalho mental de tradução dos
sinais recebidos, são analisados e decodificados para formar uma mensagem
coerente e inteligível. Quando uma ou mais dessas etapas falha a mensagem fica
incompleta e incognoscível para quem a tem em mãos. Uma forma de visualizarmos
o que estamos analisando é imaginar situações em que a informação de uma
mensagem está incompleta.
Por exemplo, um mapa incompleto é incapaz de informar
uma localização. Um texto fragmentado não informa seu conteúdo com eficiência.
Em ambos os casos a inteligência para ter acesso à informação precisa preencher
a lacuna que interrompe a cadeia que estabelece a coerência entre os sinais
presentes na mensagem, tal qual um quebra-cabeças que estando incompleto não
apresenta a imagem inteira, mas apenas a apresenta parcialmente.
Desse
modo, a inteligibilidade passa pela tradução dos sinais, sua análise e
estruturação, de modo que a mensagem apresente sentido e coerência para quem a
recebeu.
Entender
algo é identificar ordem, coerência e significado em uma informação que
recebemos. Evidentemente, a linguagem humana não é unívoca e, portanto, em suas
várias camadas e estruturas de sentido e significado podem como muitas vezes
acontece não ser totalmente claro apresentando ambiguidades e limitações
discursivas que podem ou não ser propositais.
A
importância da gramática, lógica, retórica e sintática se nos revela importante
justamente porque nos ajuda a corrigir e a aperfeiçoar nossa capacidade
comunicativa.
O
grande lema dos filósofos analíticos do inicio do século passado enfatizava o
papel da lógica como ferramenta de clarificação de conceitos. Para esses
filósofos quanto mais claro é a mensagem, melhor é o argumento, posto que a
coerência interna do pensamento é preservada pela clareza da exposição das
ideias.
Por
outro lado, quanto mais obtusa é a mensagem, pior o argumento, posto que a
coerência interna do pensar fica comprometida pela falta de clareza que as
conexões entre os conceitos apresentam no raciocínio do comunicante.
Há
ainda um elemento importante para o êxito da comunicação, a saber, o reconhecimento
do número de significados e sentidos que um sinal possui e os limites que a
polissemia dos termos impõe à linguagem. O limite de significados e sentido
permite ao vocábulo comunicar uma mensagem porque esse limite faz referência,
isto é, sinaliza algo para o interlocutor que recebe a informação. Sem
referencial entre o sinal linguístico e o objeto que se quer comunicar a
mensagem fica comprometida.
Sendo
assim, a clareza, o referencial que liga o sinal ao objeto a ser comunicado o
entendimento e a comunicação se tornam muito difíceis se não impossível.
Concordar
é outro movimento do intelecto, um movimento de adesão e assentimento ao
conteúdo recebido. Parece meio óbvio dizer o que afirmamos acima, mas acontece
que tem muita gente concordando sem saber com o quê concorda. A prática de
dizer sim ao contrato sem ler muito recorrente quando instalamos um programa no
computador ou no celular também é recorrente quando se trata de abraçar
esquemas intelectuais, ideologias e mesmo modelos religiosos. Concordar só
possível depois de entender. Porque a mensagem clara e a informação nítida me
permite avaliar, isto é, criticar o conteúdo para que eu possa assentir ou não
ao que se me apresenta.
Evidentemente,
nem tudo que lemos e ouvimos exige de nós esse esforço de concordância. Mas
quando se exige de nós esse movimento intelectual de assentimento a um
determinado conteúdo este só pode ser feito se conhecemos as consequências
dessa adesão. Por isso, é importante se informar a respeito de ideias que nos
chamam a atenção, teorias que se propõem desvendar os segredos do mundo ou
oferecer sentido a vida. Antes do engajamento se faz necessário meditar,
perpetrar a contemplação das ideias e conceitos para que possamos assentir ou
não. Dizer sim ou não ao que se apresenta como uma resposta a uma questão, um
dilema ou um problema.
Que
fique claro que concordar é assentir tanto quando cedemos ou construímos
consenso com alguém, como quando dizemos isso faz sentido, é verdadeiro etc.
A
concordância é uma adesão, isto é, é uma aceitação, sua disposição é afirmativa
enquanto performance intelectual diante de uma informação e uma mensagem
recebida.
Enquanto
entender diz respeito apenas a compreensão do que é informado, ou da
clarificação da informação trocada entre o remetente e o destinatário. O
concordar é um passo adiante, implica numa escolha assentida na direção da
informação trocada.
Entender
e concordar são diferentes, entender é fundamental para a boa comunicação, e
concordar só faz sentido se se está ciente dos riscos. Não há comunicação
possível sem entendimento, mesmo em um monólogo. Não há concordância sem a
coerência que me faça perceber que o meu concordar é um compromisso que assumo
com ideias e ideais que eu acredito ser compatíveis com o meu estilo de vida e
os valores que penso são corretos, verdadeiros e que dão sentido a vida que
escolhi viver.
Brener
Alexandre 19/04/2020