Quando a série da Netflix House of Cards
estava fazendo sucesso no Brasil, eu não quis assisti-la. Estava interessado em
outras séries e o fato da maioria dos comentários sobre a série ter sido
relacionada a conduta do então deputado e presidente da Câmara Eduardo Cunha e
sua postura agressiva contra a então presidente da República Dilma Rousseff, me
fez esperar o calor do momento e colocar a série de lado. Isso aconteceu lá
pelos idos de 2015.
Estamos
em 2020 e número de séries que abordam os bastidores da política aumentaram. A Netflix disponibilizou Borgen e Designed Survivor duas outras séries alucinantes sobre os
bastidores do poder.
Quando House of Cards estava fazendo sucesso havia também The Crown que havia me despertado
interesse pela minha curiosidade sobre a monarquia inglesa.
O
que esses seriados têm de tão interessante? Comecei a assistir House of cards, Borgen e Designed Survivor
quase que ao mesmo tempo, enquanto aguardo a nova temporada de The Crown. E percebi que o que torna
estas séries interessantes é sua abordagem dos bastidores do poder e de como
este background ético-social nem sempre é absorvido pela sociedade civil que vê
a sombra, mas não sabe muitas vezes de ondem vem a luz que criou aquela sombra.
Max Weber (1864-1920) descreve o
processo de secularização e de ruptura com o sobrenatural sob a forma do
misticismo como um processo de desencantamento. O desencantamento do mundo que
abole o sobrenatural, o místico e a superstição com a qual a natureza e a
religião se associavam no mundo pré-moderno misturando, ciência e religião (visão
significativamente presente no mundo antigo e medieval). O desencantamento é o
ponto de virada em que a ciência substitui a religião, ainda que não a faça
desaparecer da explicação dos fenômenos naturais, um triunfo por suposto da
razão (ideal iluminista fruto da revolução científica). O desencantamento
estilhaça o sobrenatural e naturaliza o mundo retirando entes fantásticos da
explicação da natureza e reduzindo o alcance do sagrado na interpretação do
mundo natural.
Tomando
esse conceito weberiano emprestado penso que esses seriados se vistos com
atenção, guardando as proporções inerentes a ficção e a dramatização que
encerram promovem o desencantamento da política.
Quero dizer com isso que quando um
seriado como House of Cards, ou Borgen nos mostra os bastidores do
poder, suas lutas internas e conflitos estes seriados desenvolvem em nós, ou
deveriam desenvolver uma habilidade de compreender que a política não pode ser
romantizada, idealizada, ou seja, transformada em uma utopia.
Ao
nos revelar a natureza da Realpolitik,
da política real esses seriados nos convidam a exercitar nossa razão, nos
exorta à reflexão sobre a natureza das relações políticas na democracia
representativa, monarquias constitucionais
etc e tenhamos a certeza de que o exercício do poder para ser possível
precisa endurecer o agente político para que o pragmatismo e ou as convicções
partidárias tenham algum peso sobre as decisões de governo. Não há amigos no
meio político, há aliados e adversários. Há situação e oposição. Há interesses
que estão em conflito, mas que podem convergir se houver algumas concessões
trocadas. A política é ciência do
conflito de interesses e o diálogo e o consenso é apenas uma das formas, talvez
a melhor para solução desses conflitos de interesses das quais a política se
alimenta.
Esse desencantamento não significa, reitero
um endosso a antipolítica, não é um convite a aversão da atividade política. A
atividade política é necessária e importante. O desencantamento significa justamente
uma ampliação da nossa consciência de que a política é feita de acordos, de
negociações, espúrias ou não. De arbitrariedades e de jogos de interesses. As
arbitrariedades refletem os jogos de interesses que podem ou não passar por
cima da lei, é jogo de forças e de influências.
É preciso então, que o cidadão que só vê
a sombra, mas não vê a luz se pergunte: “a quem interessa que está sombra
esteja projetada aqui?” E pense: “a verdade nem sempre será perceptível a um
primeiro momento, é preciso aguardar até que ela apareça”. E se a verdade não
aparecer? Fiquemos então com o que nos parece razoáveis, por que nos bastidores
do poder é melhor sempre pender para o razoável e correr das soluções radicais.
Brener
Alexandre 24/10/20