segunda-feira, 8 de julho de 2013

Lucidez

Eu sei que já impressionei mais de uma pessoa com a minha lucidez.
A Lucidez é por certo uma espada de dois gumes, digo isso pelo simples fato de que por meio da lucidez me torno extremamente forte, às vezes não o suficiente para vencer, mas para parafrasear o personagem Rocky Balboa: “aguentar apanhar muito”. Uma força que me faz resistir, mas que me faz sofrer o suficiente para implorar pela morte.

De fato, se por um lado, resisto lúcido sabendo tudo o que me acontece, de outro lado, sofro duplamente seja pelo desespero de tentar resistir o quanto posso e resolver o problema, quanto, o de saber que no mais das vezes a dor, sintoma de um mal é o reflexo de uma doença, de uma ferida incurável já há bastante tempo.

Entretanto, sucumbo a dor, caio tentando resistir consciente, grito em meu interior de desespero, sinto-me abandonado, inquieto e inseguro. Mas caio com a consciência de que tentei me manter livre e de preservar a liberdade dos outros quando necessário.

A lucidez tão louvada é como disse um grande poeta da nossa música: “um holofote que cega mais que ilumina” e que, portanto, sua luz no mais das vezes nos faz mergulhar na mais profunda escuridão.
Tenho gritado de dor e sei que ninguém ouviu, entre pesadelos e memórias do passado que pensava já ter superado, mas que as ironias da minha vida insistem em trazer à tona como instrumento de tortura. Esta é a causa da minha doença e do meu sofrimento, as sequelas, feridas que se abrem.

Minhas noites escuras, noites escuras da alma em que tal como Jesus eu gritei: “Por que me abandonastes?” Achei que não viveria de novo esta experiência nada agradável do abandono.
Noites escuras, em que a minha lucidez nem sempre pode clarear com esperança, ainda que eu o quisesse... E aí me veio uma definição de fé. Fé é crer na esperança. No fim, juntei duas virtudes teologais, não porque ignore a caridade, mas ainda sou demasiado imperfeito para me sentir caridoso. Gosto do que Madre Teresa de Calcutá nos ensina sobre esta virtude teologal: “a caridade é amar até doer”. É verdade, quem ama sabe que o amor dói. Porque quem ama se doa inteiro e no se doar por inteiro é paciente, isto é, passível de receber tudo.

Agora vocês sabem que porque eu sofri muito eu fui capaz de amar mais ainda, mesmo sendo tão imperfeito tão miserável. Já há algum tempo que me sinto inepto para a vida cristã, todas essas provações e esse modo de amar tão peculiar que é bem verdade me ajudaram a ser um ser humano melhor (não tão melhor quanto deveria, mas melhor), também é causa de muita dor, dor para qual não há remédio. Como aqueles judeus depois de ouvir Jesus, tenho eu também vontade de partir porque suas palavras “são duras demais” (Jo 6,60) mas, “para onde irei? Só tu tens palavras de vida eterna.” (Jo 6,68).

E assim, como posso tenho tentado não sem fracasso fazer o melhor que posso para resistir e proteger a herança que me foi confiada e ser o melhor que posso, embora saiba que tenha desapontado a muitos pelas vezes que cai e demorei para me levantar.
Esta lucidez, única arma que possuo para combater, único remédio que disponho para lidar com todas essas dores, me mostrou que a dor não deve ser simplesmente julgada, porque quem a sente sente e dói. Ouvi não poucas vezes que outras pessoas tem “problemas maiores” que o meu. Isso é verdade, mas também é verdade que para quem tem uma cólica ou gastrite, ou ulcera, ou cefaleia, a dor não é a mesma, mas é dor.
Mas quem é capaz de medir a dor que tantos maus tratos do passado pode incutir na alma de um ser humano?
Como medir a agonia de um ser humano que emudece contra a sua vontade diante das pessoas que ele quer bem? Trêmulo, quase sem respirar, suas pernas enfraquecem, tem vertigens, tomado pela agonia de resistir e se comunicar sem sucesso.
A este só restava a reclusão, pois se sofre sozinho, o sofrimento é triplicado quando não pode comunicar o que sente a quem ama.

Lúcido, eu ás vezes desejei a anestesia para que tal dor não me acossasse, para que tanta tristeza não me fizesse chorar a noite e que o meu silêncio não fosse interpretado como ressentimento e ódio.
Muitas pessoas não sabem, mas é horrível ficar incomunicável, tomado pelo pânico e angustiado fazer o movimento hercúleo para a fuga.
Pesadelos e ataques de ansiedade tem se tornado rotina nas últimas semanas. Quase não sei o que é sorrir mais...

Uma das minhas maiores frustrações é ter a consciência da minha estafa que me impede de fazer o que mais amo, filosofar, impossibilitado de estudar e de dar continuidade aos meus projetos profissionais. O meu aniversário foi outra decepção.
O últimos dias tem sido difíceis, tenho recorrido ao meu padroeiro Santo Antônio, São João da Cruz e a florzinha do Carmelo (Santa Teresinha do menino Jesus e da sagrada face) que com suas experiências de fé e vida tem sido como que um complexo vitamínico para que eu possa resistir até o dia derradeiro. Ainda espero contar com o reforço de outra Santa do Carmelo, Santa Teresa de Jesus ou D’Avila para que eu possa aguentar apanhar muito ainda e quem sabe bater.

Que fique claro, que estou ciente das minhas fraquezas, ciente das minhas misérias, ciente de que feri quem amo na inteireza do meu ser e que desculpa nenhuma me torna digno de perdão. Mas que fique claro também o quanto tenho sofrido e que só agora um pouco anestesiado, posso por ironia falar da lucidez que me acompanha desde a muito tempo e que sempre foi a arma que me conduziu à vitória nestes combates apoiado pelo escudo da fé.
Tudo quanto escrevi recentemente são os meus gritos de dor, são as minhas lágrimas sem consolo, vindos de um homem que contemplou e contempla seus medos, que é perseguido pelo pânico mesmo que educado para a auto-suficiência, uma vez que, nunca teve a quem recorrer. O que de certa forma torna o meu mal ainda mais grave.

Falei bastante da Lucidez, mas não deixei a imagem clara do que ela é depois de contar como tenho me sentido e me sinto e o que tenho tentado fazer para suportar. Quem já viu o filme “Coração valente” com Mel Gibson vai se lembrar da última cena, quando Willian Wallace é preso e condenado a morte dolorosa e agonizante, sua amada, lhe oferece um remédio para que ele não sofresse e ele se recusa. A lucidez é exatamente esta recusa, é deixar-se deitar na mesa de torturas para que antes do último suspiro se possa gritar “liberdade”. Mas digo mais Lucidez é a consciência de tudo o que se passa, dor, frustração, agonia, angustia, medo. Fiz e faço o que posso para não me entregar, às vezes não é o suficiente e quero desistir, mas não desisto.

Deus sabe o que tenho passado nas ultimas semanas, ainda que eu não tenha sentido sua presença paternal junto de mim. “Ele que sonda os rins e o coração” conhece todas as minhas misérias e minha pequenez, minhas vaidades e minha mesquinhez.

E agora, vocês também o sabem ainda que de modo superficial o que tenho passado, achei que deveria escrever, já que não me é possível falar a quem gostaria, para que soubessem que não me sinto bem, que tenho medo e que não sei o que vai ser de mim.

Não busco redenção, isto é apenas um desabafo, de alguém cansado da tensão a que tem sido exposto por muitos dias, sendo obrigado a beber doses mortais do passado que rasgam e dilaceram o espirito. Quero acreditar que isto tudo vai acabar logo, esta é a minha esperança e tenho fé, pouca, mas tenho!
Portanto, estas eram as palavras que por vezes queria dizer e não consegui e que agora tomado de ânimo e força escrevo para que quem as ler saiba como tenho me sentido lutando em silêncio para suportar o meu existir.