"Assim, a solidão não é rejeição do outro, ao contrário: aceitar o outro é aceita-lo como outro (e não como apêndice, um instrumento ou um objeto de si! ) , e é nisso que o amor, em sua verdade, é solidão. Rilke encontrou as palavras necessárias para dizer esse amor de que necessitamos, e de que somos tão raramente capazes: 'duas solidões que se protegem, que se completam, que se limitam e que se inclinam uma diante da outra...' Essa beleza soa verdadeira. O amor não é o contrário da solidão: é a solidão compartilhada, habitada, iluminada -e, às vezes, ensombrecida - pela solidão do outro. O amor é solidão, sempre; não que toda solidão seja amante, longe disso, mas porque todo amor é solitário. Ninguém pode amar em nosso lugar, nem em nós, nem como nós. Esse deserto, em torno de si ou do objeto amado, é o próprio amor." (Comte-Sponville, André. Amor a solidão. p. 30-31).
"Quantos fogem da solidão, ao
contrário, e são incapazes de um verdadeiro encontro? Quem não sabe viver
consigo, como saberia viver com outrem? Quem não sabe morar com sua própria
solidão, como saberia atravessar a dos outros? Narciso tem horror da solidão, e
isso é fácil de compreender: a solidão o deixa face a face com o seu nada, em
que ele se afoga. O sábio, ao contrário, fez desse nada seu reino, onde ele se
perde e se salva: não há ego, não há egoísmo! O que resta? O mundo, o amor:
tudo. " ( Comte-Sponville, André. Amor
a solidão. p. 33)
Na leitura de Amor a solidão, me deparei com essa definição certamente para
muitos estranha do amor como solidão. Ela de certo me fez pensar bastante nas
duas extremidades da relação, para fazer uma paráfrase a obra de Martin Buber,
“Eu e Tu”. E agora motivado por um desafio de falar de uma cura que seja mais
autônoma e que não esteja mirada na figura do outro me sinto inclinado a
comentar estas passagens de Amor a
solidão partindo primeiro da conclusão de que: “ a solidão não é rejeição
do outro” mas é a confirmação de que o outro não integra a minha subjetividade,
não faz parte do meu eu.
E depois refletirei sobre o cultivo
da solidão como um amor sui, isto é,
como um amor de si, pensando principalmente na concepção própria das filosofias
helenísticas do final da antiguidade de terapia, ou cura sui, do cuidado de si. E assim creio, apresentarei em prosa o
que ainda não consigo apresentar em verso, isto é, o lado positivo da solidão
enquanto cuidado de si e amor de si e cura para o enfrentamento dos combates
diuturnos da existência.
Já havia tratado a solidão como
alteridade absoluta e desconexão com o mundo aqui Pain VI neste
texto apresentei a solidão como a experiência radical de alteridade em relação
ao outro, que traz consigo um sofrimento terrível. Agora, pretendo fazer o
caminho inverso e falar do cultivo da solidão como cura sui, como cuidado de si
aquilo que Sêneca entendia como vida retirada como forma de combater as
aflições do espírito e que impede o homem de odiar a sua própria espécie
(misantropia). Os estóicos são
filantropos por excelência e condenam a misantropia.
Por um lado, a solidão é essa
estranheza, imposta pela ausência do outro e desconexão com o mundo, como eu
havia exposto no texto Pain VI. De outro
modo, a solidão é também convívio consigo mesmo, esse retirar-se da vida
corrida e muitas vezes superficial do dia-a-dia para cultivar a relação consigo
mesmo. A vida cotidiana na maioria das
vezes é barulhenta em sua agitação e, tal agitação impede ou mesmo atrapalha a
relação que deveríamos desenvolver conosco mesmo.
A vida retirada é justamente o
cultivo da solidão para cultivar a relação consigo mesmo, a coisa mais
fascinante na solidão cultivada é aprender a ouvir o silêncio que habita em
nós.
Claro que nem sempre o silêncio nos
elogia, nem sempre nos mostra um mundo de cores, mas se na relação com os
outros somos passíveis de passar por estas experiências, porque não passá-las
conosco mesmo?
Quem não é capaz de olhar dentro de
si sem repulsa não é capaz de suportar o outro. Suportar não é o mesmo que
tolerar, suportar é ser capaz de aguentar o outro, é ajudá-lo com suas misérias,
porque todos nós possuímos misérias, mas também podemos possuir grandes
virtudes e se só atentamos para nossas virtudes sem olhar nossas misérias,
estamos fugindo do que somos, se olhamos apenas para as virtudes dos outros e
não se permitirmos perceber as suas misérias estamos criando uma realidade
fragmentada do outro.
Por isso, Sponville está certo
quando diz que o amor é solidão, porque a solidão é o exercício da amizade
consigo mesmo, ou melhor, a solidão é o convívio amoroso que podemos ter
conosco mesmo, todo o amor, o verdadeiro amor, se funda no convívio despojado
das ilusões que eventualmente criamos de nós mesmos e porque não dos outros.
O silêncio é o lugar do encontro consigo mesmo, onde somos
desnudados de nossas fantasias e somos postos diante dos nossos medos, das
nossas angustias e dos nossos defeitos. É por isso, que muitas pessoas fogem da
solidão, se dispersam de si mesmo em uma busca desenfreada por atenção, por
prazer e toda e qualquer forma de diversão, a diversão é esse afastamento de
nós mesmos que não permite que vejamos quem somos.
Os místicos conhecem bem o cultivo da solidão através da
experiência da oração no silêncio da meditação nos recônditos da cela do
convento. E graças a essa oportunidade encontram nas suas misérias a força para
exercitar o amor pelo outro e cultivar o amor pela vida.
Esse nada que é nudez da alma é o reino do sábio como bem
falou Sponville, onde ele se encontra consigo mesmo, já que na correria da vida
agitada da cidade os homens se perdem nas vaidades e nas ilusões que nos
afastam da verdade e nos inclina a superficialidade das relações forma pior do
isolamento, pois não mergulhamos no mistério do outro e nem no mistério de nós
mesmos.