quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Se eu ficar ou O que nos motiva a viver?

Não sei se a autora do best-seller que foi adaptado ao cinema “If I stay” (Se eu ficar) leu Aristóteles, mas será por Aristóteles que quero começar a nossa reflexão.
O filósofo grego lança a seguinte pergunta na Ética a Nicômacos: “Portanto, nenhum (oudéna) homem (anthrópon) deverá ser considerado feliz (eudaimonistéon) enquanto viver, mas será preciso ver o fim (télos), como afirma Sólon? (EN I, 1100a 10).
Para entendermos o questionamento do filósofo de Estagira é necessário contar o que pensa Sólon o grande jurista e um dos sete lendários sábios da Grécia antiga a respeito da felicidade (eudaimonia) e para isso vou transcrever um relato transmitido pelo pai da história Heródoto de Halicarnasso.

Conta-nos Heródoto que certa vez Sólon hospedado no palácio de Croisos e questionado pelo rei de Sárdis a respeito de quem era o homem mais feliz de seu tempo (o próprio Croisos se julgava o mais feliz dos homens e por isso havia feito a pergunta) a resposta dada por Sólon ao rei de Sardis que motivou a pergunta de Aristóteles é a seguinte: “No curso de uma longa vida podemos ver muitas coisas de que não gostamos, e também sofrer muito. Calculo em setenta anos a duração máxima da vida humana; esses setenta anos correspondem a vinte e cinco mil e duzentos dias, sem contar os meses intercalares. (...) e, podemos dizer perfeitamente que nenhum desses dias é igual ao outro naquilo que nos traz. Então, Croisos, o homem é apenas incerteza. Parece-me que és muito rico e rei de muitos homens, mas não poderei responder à tua pergunta antes de ouvir dizer que tenha terminado bem a tua vida. Em verdade, o homem muito rico não é mais feliz do que aquele que tem apenas o suficiente para o dia de hoje, a não ser que a sorte (tyché) continue a lhe ser fiel até o fim de sua vida; proporcionando-lhe todas as boas coisas.” (Heródoto, História I, 32). Podemos parar por aqui na transcrição do relato herodotiano da conversa entre Sólon e Croisos, pois, tudo o que precisamos para a nossa reflexão está aqui e ademais a continuação do texto resulta em uma resposta bastante fatalista da condição humana e não contempla o horizonte reflexivo à que o filme nos faz pensar.

O drama escrito por Gayle Forman conta a história de uma jovem que sofre um acidente e fica em coma, ela precisa resolver se quer ficar ou se quer partir. O coma da protagonista do drama coloca-a em um estado em que ela não está viva (está viva clinicamente sem morte cerebral ou sem parada cardíaca e ou respiratória), mas também não está morta, coma nesse caso pode ser lido como uma metáfora da suspensão que te coloca entre esses dois caminhos possíveis, as duas extremidades da estrada. O coma nesse caso é perfeito para a pergunta de Aristóteles e incrivelmente perfeito para a resposta de Sólon. Porque o que vai guiar a decisão da jovem Mia é a percepção que ela faz do mundo através do binômio prazer-dor que perpassa os momentos experimentados por ela e as notícias que ela “recebe” enquanto está em coma.
Perguntar sobre o que nos motiva a continuar a viver é perguntar sobre o sentido da vida, os gregos quando faziam a pergunta sobre o sentido da vida de certa forma estavam perguntando sobre o que é a felicidade (eudaimonia) e o que é o bem viver (euzein).

            Hoje em dia quando falamos em felicidade sempre nos remetemos a um aspecto subjetivo da nossa percepção de mundo, felicidade é sinônimo de alegria, bem-estar é sinônimo de alegria, no entanto, para os antigos gregos e para o cristianismo a felicidade não é um mero estado de alegria- euforia, mas é um complexo de alegrias e tristezas, a felicidade para os gregos e para a filosofia antiga e, mesmo para o cristianismo está diretamente relacionada à concepção de homem e de humanidade. Aristóteles e Platão, os estóicos, cínicos e os cristãos entendem a felicidade como o resultado final da realização última da nossa humanidade e não uma coletânea de fragmentos soltos de euforia e de melancolia.

Quando Schopenhauer em seu célebre texto sobre o sofrimento do mundo escreve: (cito de memória) “Se o sentido da vida não está no sofrimento, então, a vida é um grande contra senso, pois, percebemos mais a dor do que o prazer.” Está querendo nos dizer que a sensação de dor perdura enquanto a de prazer se dissolve no instante, posso citar ainda a anedota contada por Diógenes Laertios  a respeito de Aristipo de Cirene célebre discípulo de Sócrates e fundador do hedonismo, conta-se que certa vez, Aristipo levou seus discípulos a um prostíbulo e um dos seus discípulos teria lhe perguntado se ir àquele lugar não era um problema ao que Aristipo lhe respondeu que “ o problema não era ir, mas sair de lá”. Para Aristipo, assim como para Epicuro alguns séculos depois a felicidade coincide com o prazer, essa tese será reapresentada por alguns filósofos modernos e contemporâneos como os utilitaristas, tanto Schopenhauer quanto Aristipo  nos dão de forma radical e cada um ao modo uma explicação que desde o início da filosofia é objeto de investigação e fundamentação da ação (aqui entendida no sentido geral moral) basicamente todas as teorias da ação abordam de alguma forma a influencia que o prazer e a dor possui sobre as escolhas que fazemos e que orientam a nossa vida.
Portanto, é importante ter em mente ao fazermos a pergunta sobre o que nos motiva a viver, é ter em mente o que nos impele a agir e a viver e como essa motivação nos faz viver bem e ou nos torna realmente felizes.

Mia se defronta com inúmeras experiências boas e ruins, e algo irá motivar a sua escolha.
Vejam que não são experiências fragmentadas, memórias soltas e, embora as lembranças aparentam se dar assim, a jovem protagonista, mas cada memória e cada experiência é fruto de uma experiência presente da jovem em estado de coma. As visitas que ela recebe e as notícias que chegam até ela até a experiência final que vai culminar com a sua escolha, será esse conjunto complexo que oferecerá como uma janela a visão do valor da vida e se é melhor ficar vivo ou não.

Ainda cabe cita uma das falas da ficção que mais gosto a conversa entre Kenshin e seu mestre Hiko Seijuuro antes de aprender a técnica suprema do estilo Hiten Mitsurugi ryu, nessa fala Hiko Seijuuro sintetiza o que tentei apresentar sobre a felicidade como relacionada a nossa realização enquanto ser humano. Kenshin também é posto entre a vida e a morte em seu treinamento e é instado a pensar se viver vale ou não a pena.
Hiko Seijuuro diz ao seu pupilo: “Antes de começarmos, tem uma coisa que eu preciso dizer. Essa Era não é tão simples a ponto de você poder colocar tudo em seus ombros, e ser o único sacrificado. E, ao mesmo tempo, a felicidade de uma pessoa não é tão simples também. Se você for se tornar um sacrifício, uma garota que veio de Tokyo apenas para te ver vai encarar um infortúnio, Lembre-se disso. Não importa o quão forte você fique, você é só um ser humano não há necessidade de se tornar Buda (santo) ou um assassino.” Em outras palavras, dizer que a felicidade não é simples significa dizer a felicidade não acontece só quando tudo dá certo para você, você vai brigar com o seu melhor amigo, vai perder um ente querido, vai terminar com a sua ou seu namorado (a), vai conhecer outra pessoa e iniciar um novo relacionamento, vai experimentar coisas novas, como ir a um lugar que você nunca tenha ido, ouvir músicas diferentes, ir a uma Peça de teatro, enfim serão tantas experiências que só o discernimento, e é aí que entra  filosofia (não a filosofia acadêmica de artigos e livros com citações rigorosas), mas a filosofia como uma educação para o julgar/ discernir (esse é o sentido verdadeiro do verbo grego krino que deu origem a palavra crise) e essa filosofia é extremamente necessária para que possamos de algum modo compreender a questão de sentido e descobrir o que nos impele a continuar vivos.

Mia a personagem dotada de sensibilidade encontrou a sua resposta será que você será capaz de encontrar a sua?
A resposta da filosofia ensina que o homem é dotado de duas instâncias, de intelectualidade e afetividade e essas duas instâncias devem se desenvolver juntas, Sólon nos dá uma resposta fatalista, pois, o mundo em que ele vivia não oferecia segurança o suficiente para garantir que um homem rico ou pobre pode ser de fato feliz pela sua condição mais fundamental, creio que ainda hoje o mundo não é tão seguro para nos dá uma resposta tão fácil como queria Croisos rei de Sárdis.

O caminho para encontrar  resposta pode vir não de um estado de suspensão como o coma, mas do reconhecimento da vida como um dom em sua complexidade na qual cada experiência única revela a preciosidade que a nossa finitude nos reserva.
Fica aqui o convite à reflexão, e aí: o que te motiva a viver?



sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Lembrança

Você passou as pressas por mim rápido como uma lembrança,
Antes mesmo que o teu perfume tocasse os meus sentidos você havia sumido.
Antes que a minha memória fotografasse o teu sorriso você já tinha me deixado.
Tua visita não durou mais que alguns segundos como uma sinapse um insight maravilhoso.


Tua voz sumiu no vazio rápido como uma recordação recente,
Mas o som capturado pela mente ecoa solenemente em meu coração.
Teu perfume guia da saudade toma os meus sentidos de assalto,
Fugaz vem e vai como um tiro e me acerta e me embriaga de desejo e querência.
Teu sorriso brilhante como um flash iluminou tudo por alguns instantes,
Mais rápido que a lembrança, mais ágil que os meus olhos incapazes de prendê-los na eternidade do momento único de seu florescimento.


Tua visita veloz encheu me de alegria como quando vemos uma estrela guia desaparecer no céu.
Tão rápido e tão lento que só um poema é capaz traduzir o sentimento ardendo no coração acelerado pela emoção e arrebatado pela surpresa e se lembra de tal lembrança teimosa e atroz,
Tal lembrança fugidia e líquida, do perfume, do sorriso e da visita.
É em sua fluidez visita e lembrança, memória e momento.

Eternidade presa no instante em que se desfaz.