O filósofo é
aquele que na medida do possível observa e estuda de tudo, com o advento da
especialização técnica, penso que o filósofo não deve se esconder nos recônditos
da fragmentação da ciência tão incentivada nos meios acadêmicos, por isso
tratar de temas que muitos consideram triviais é também tarefa do filósofo.
A ética
antiga olhava para as instituições políticas como parte integrante da ação do
homem, e as duas maiores instituições do mundo antigo eram o casamento e a
religião, com efeito, estas duas instituições cumpriam um papel fundamental na
constituição política das sociedades antigas.
Dos temas
mais tratados pela filosofia antiga pautada pela ética das virtudes é a
amizade, uma das formas de amor que implica em virtude segundo Aristóteles e
com a qual o complexo social é costurado, a amizade compõe o tecido que chamamos
comunidade e através dos laços de estima e respeito o corpo social ganha coesão.
Levando em
conta que é tarefa do filósofo abordar as grandes e pequenas questões da existência
humana, e que a ação de cada ser humano começa e termina no esteio da vida
política, que aqui deve ser entendida enquanto universo das relações sociais do
dia-a-dia, penso que seria interessante pensar o namoro como uma instituição, o
namoro, com efeito, é um estágio de
relação social que antecede o casamento, pois o noivado é ainda assim um titulo
conferido entre pessoas que estão namorando e apenas atenua a condição do
namoro. Sinto, contudo que o namoro como
instituição está em crise frente ao crescente hedonismo e niilismo que tem
afetado a vida moral principalmente das gerações mais recentes.
Partindo da
premissa de que o namoro deve ser entendido como uma instituição que tem por
finalidade o casamento, pois o namoro implica necessariamente que duas pessoas
estejam dispostas a dividir sua existência por inteiro, ou seja, o namoro e o
casamento visa estabelecer o microcosmo da vida política que é denominada vida
a dois, isto a priori, pois se entendemos família como conceito político e
instituição social perceberemos que o casamento além da vida a dois coloca os
filhos como membros integrantes e integrais da comunidade familiar.
O namoro,
portanto, seria o momento de cultivo da afetividade através do ato de boa
vontade livre entre duas pessoas que desejam tornar comum a sua vida.
Ora, se a
disposição afetiva no namoro tem em vista tornar a vida comum entre duas
pessoas, estas duas pessoas precisam aderir a um comportamento que torne
possível a vida comum. Neste sentido o namoro não é muito diferente da amizade
porque para que um laço de amizade exista também é necessário que o
comportamento entre as partes envolvidas manifestem o interesse destes em
cultivar a relação em comum. Não me interessa por hora tratar das disposições
sexuais que estão implicadas no namoro uma vez que concebo a vida sexual como
parte diretamente relacionada, mas secundária na vida afetiva
institucionalizada, porque a sexualidade em si só pode seguir dois ou três
caminhos que consigo ver a principio, a saber, o caminho do prazer (que tem
sido supra valorizado), da procriação e a da unidade íntima do casal. Nem tão
pouco tratar de outras modalidades de relacionamento, como por exemplo, o
relacionamento aberto. Interessa-me aqui falar do modus operandi do namoro como
instituição e pensar que na medida em que o namoro representa um compromisso
assumido perante a sociedade com uma determinada pessoa exige de mim enquanto
pessoa que faz adesão por esta instituição uma atitude ética necessária para
que este tenha êxito, tal qual o casamento e qualquer outra instituição
inserida em nosso contexto social.
Acredito que
a pergunta que deve ser feita por quem deseja um relacionamento sério, isto é,
o namoro é: estou disposto a mudar os hábitos que vão me impedir de realizar a
vida a dois? Mas acho que antes disso a pergunta que deve ser feita é: Com que
tipo de pessoa eu aceitaria dividir a minha vida? Com estas duas perguntas
básicas é possível nos educar para uma boa relação sem perder a nossa liberdade
e sem cair em armadilhas, mas eu mesmo admito que cair em armadilhas é possível
mesmo tomando todos os cuidados.
O fato é que tenho observado em muitas pessoas a maioria
mais jovem deseja uma relação com uma pessoa, mas não quer abrir mão dos seus
hábitos de solteiro e não só em relação as inúmeras festas, mas também com
relação a está aberto ao relacionamento descompromissado com outras pessoas.
Assumir um compromisso significa mais do que colocar um anel
no dedo ou mudar o status de uma rede social (é clichê, mas é uma baita
verdade) o compromisso exige de quem o assume a responsabilidade moral de
cultivar com uma determinada pessoa suas inclinações afetivas e praticar com
boa vontade e liberdade com o intuito de dividir com ela a vida, o namoro assim
como o casamento e a amizade é uma forma de comunidade, uma unidade comum, com
a qual duas pessoas se interessam mutuamente pelos problemas, doenças,
angustias e alegrias um do outro. E coloquei alegria por último para que quem
estiver lendo este texto tenha a ciência de que as pessoas de hoje buscam
apenas partilhar com o seu amado ou sua amada apenas as alegrias e não se dispõe, não se engaja nos momentos de dificuldade.
E acontece que no mais das vezes haverá problemas, conflitos
de interesse que em suma desencadeiam brigas. Está aberto a ouvir os conselhos
do companheiro, aceitar suas críticas quando estas são cabíveis a uma atitude
inadequada ou má escolha, aliás, má escolha geralmente é a causa dos problemas
entre namorados e está má escolha longe de ser imprudência pura e simples é
muitas vezes motivada por um descontrole sobre a vontade.
O descontrole da vontade produz outro problema presente em
qualquer instituição social, o mal uso do poder . O poder é, com efeito, a causa de catástrofe
de muitos relacionamentos porque uma das partes se esquece que o objetivo é a
vida comum e quer que outro viva a sua vida. Por isso o namoro é um compromisso
que exige de quem lhe faz adesão uma
certa dosagem de modéstia, para que seja possível ver as qualidades e os
defeitos do companheiro, mas não por o investimento da afetividade a perder por
causa dos defeitos, pois isto seria um descompromisso, a menos é claro que o
defeito contribua negativamente para a
manutenção da relação, por exemplo a pessoa tem um hábito totalmente
descompassado para a vida em comum.
Portanto, o namoro é um compromisso que implica num
investimento afetivo sobre outra pessoa da qual queremos bem, e queremos estar
próximo e por fim constituir com ela uma unidade comum. Para que isso seja
possível é necessário o engajamento pleno das duas partes, e este engajamento
surge da cumplicidade de ambos para com a inteireza da vida, e não apenas para com os momentos de satisfação imediata que aquela pessoa pode nos oferecer. E para isso é necessário estar disposto a repensar a sua atitude diante do mundo enquanto
pessoa sem compromisso e reconhecer de modo responsável que a vida de outro ser
humano é inalienável e por isso não pode ser tida como um objeto de satisfação,
reconhecer de modo responsável o valor do outro implica em dizer sim ao
compromisso e ao investimento que pode ruir se o outro não estiver disposto a
investir igualmente e às vezes acontece de ambos investirem e não dar certo por
diversos motivos: horários que não batem, problemas com ex-namorados e ex-namoradas,
conflitos de interesse, pessoas que se intrometem na vida íntima do casal sem
ser convidado entre outras coisas. Assumir um namoro é dizer sim ao desconhecido,
ao futuro, é um projeto, é um lançar a frente (etimologia de projectum em
latim). Pode começar em uma amizade, ou poder ser uma descoberta como um lampejo
de uma ideia.
Por hora deixo aqui esta reflexão, no entanto sabendo que
ainda falta questões a serem abordadas, mas que serão retomadas em breve.