quinta-feira, 4 de abril de 2013

Reflexão sobre o namoro como instituição


O filósofo é aquele que na medida do possível observa e estuda de tudo, com o advento da especialização técnica, penso que o filósofo não deve se esconder nos recônditos da fragmentação da ciência tão incentivada nos meios acadêmicos, por isso tratar de temas que muitos consideram triviais é também tarefa do filósofo.
A ética antiga olhava para as instituições políticas como parte integrante da ação do homem, e as duas maiores instituições do mundo antigo eram o casamento e a religião, com efeito, estas duas instituições cumpriam um papel fundamental na constituição política das sociedades antigas.

Dos temas mais tratados pela filosofia antiga pautada pela ética das virtudes é a amizade, uma das formas de amor que implica em virtude segundo Aristóteles e com a qual o complexo social é costurado, a amizade compõe o tecido que chamamos comunidade e através dos laços de estima e respeito o corpo social ganha coesão.

Levando em conta que é tarefa do filósofo abordar as grandes e pequenas questões da existência humana, e que a ação de cada ser humano começa e termina no esteio da vida política, que aqui deve ser entendida enquanto universo das relações sociais do dia-a-dia, penso que seria interessante pensar o namoro como uma instituição, o namoro, com efeito,  é um estágio de relação social que antecede o casamento, pois o noivado é ainda assim um titulo conferido entre pessoas que estão namorando e apenas atenua a condição do namoro.  Sinto, contudo que o namoro como instituição está em crise frente ao crescente hedonismo e niilismo que tem afetado a vida moral principalmente das gerações mais recentes.
Partindo da premissa de que o namoro deve ser entendido como uma instituição que tem por finalidade o casamento, pois o namoro implica necessariamente que duas pessoas estejam dispostas a dividir sua existência por inteiro, ou seja, o namoro e o casamento visa estabelecer o microcosmo da vida política que é denominada vida a dois, isto a priori, pois se entendemos família como conceito político e instituição social perceberemos que o casamento além da vida a dois coloca os filhos como membros integrantes e integrais da comunidade familiar.

O namoro, portanto, seria o momento de cultivo da afetividade através do ato de boa vontade livre entre duas pessoas que desejam tornar comum a sua vida.
Ora, se a disposição afetiva no namoro tem em vista tornar a vida comum entre duas pessoas, estas duas pessoas precisam aderir a um comportamento que torne possível a vida comum. Neste sentido o namoro não é muito diferente da amizade porque para que um laço de amizade exista também é necessário que o comportamento entre as partes envolvidas manifestem o interesse destes em cultivar a relação em comum. Não me interessa por hora tratar das disposições sexuais que estão implicadas no namoro uma vez que concebo a vida sexual como parte diretamente relacionada, mas secundária na vida afetiva institucionalizada, porque a sexualidade em si só pode seguir dois ou três caminhos que consigo ver a principio, a saber, o caminho do prazer (que tem sido supra valorizado), da procriação e a da unidade íntima do casal. Nem tão pouco tratar de outras modalidades de relacionamento, como por exemplo, o relacionamento aberto. Interessa-me aqui falar do modus operandi do namoro como instituição e pensar que na medida em que o namoro representa um compromisso assumido perante a sociedade com uma determinada pessoa exige de mim enquanto pessoa que faz adesão por esta instituição uma atitude ética necessária para que este tenha êxito, tal qual o casamento e qualquer outra instituição inserida em nosso contexto social.
Acredito que a pergunta que deve ser feita por quem deseja um relacionamento sério, isto é, o namoro é: estou disposto a mudar os hábitos que vão me impedir de realizar a vida a dois? Mas acho que antes disso a pergunta que deve ser feita é: Com que tipo de pessoa eu aceitaria dividir a minha vida? Com estas duas perguntas básicas é possível nos educar para uma boa relação sem perder a nossa liberdade e sem cair em armadilhas, mas eu mesmo admito que cair em armadilhas é possível mesmo tomando todos os cuidados.

O fato é que tenho observado em muitas pessoas a maioria mais jovem deseja uma relação com uma pessoa, mas não quer abrir mão dos seus hábitos de solteiro e não só em relação as inúmeras festas, mas também com relação a está aberto ao relacionamento descompromissado com outras pessoas.
Assumir um compromisso significa mais do que colocar um anel no dedo ou mudar o status de uma rede social (é clichê, mas é uma baita verdade) o compromisso exige de quem o assume a responsabilidade moral de cultivar com uma determinada pessoa suas inclinações afetivas e praticar com boa vontade e liberdade com o intuito de dividir com ela a vida, o namoro assim como o casamento e a amizade é uma forma de comunidade, uma unidade comum, com a qual duas pessoas se interessam mutuamente pelos problemas, doenças, angustias e alegrias um do outro. E coloquei alegria por último para que quem estiver lendo este texto tenha a ciência de que as pessoas de hoje buscam apenas partilhar com o seu amado ou sua amada apenas as alegrias e não se dispõe, não se engaja nos momentos de dificuldade.

E acontece que no mais das vezes haverá problemas, conflitos de interesse que em suma desencadeiam brigas. Está aberto a ouvir os conselhos do companheiro, aceitar suas críticas quando estas são cabíveis a uma atitude inadequada ou má escolha, aliás, má escolha geralmente é a causa dos problemas entre namorados e está má escolha longe de ser imprudência pura e simples é muitas vezes motivada por um descontrole sobre a vontade.

O descontrole da vontade produz outro problema presente em qualquer instituição social, o mal uso do poder .  O poder é, com efeito, a causa de catástrofe de muitos relacionamentos porque uma das partes se esquece que o objetivo é a vida comum e quer que outro viva a sua vida. Por isso o namoro é um compromisso que exige de quem lhe faz adesão  uma certa dosagem de modéstia, para que seja possível ver as qualidades e os defeitos do companheiro, mas não por o investimento da afetividade a perder por causa dos defeitos, pois isto seria um descompromisso, a menos é claro que o defeito contribua  negativamente para a manutenção da relação, por exemplo a pessoa tem um hábito totalmente descompassado para a vida em comum.

Portanto, o namoro é um compromisso que implica num investimento afetivo sobre outra pessoa da qual queremos bem, e queremos estar próximo e por fim constituir com ela uma unidade comum. Para que isso seja possível é necessário o engajamento pleno das duas partes, e este engajamento surge da cumplicidade de ambos para com a inteireza da vida, e não apenas para com os momentos de satisfação imediata que aquela pessoa pode nos oferecer. E para isso é necessário estar disposto a repensar a sua atitude diante do mundo enquanto pessoa sem compromisso e reconhecer de modo responsável que a vida de outro ser humano é inalienável e por isso não pode ser tida como um objeto de satisfação, reconhecer de modo responsável o valor do outro implica em dizer sim ao compromisso e ao investimento que pode ruir se o outro não estiver disposto a investir igualmente e às vezes acontece de ambos investirem e não dar certo por diversos motivos: horários que não batem, problemas com ex-namorados e ex-namoradas, conflitos de interesse, pessoas que se intrometem na vida íntima do casal sem ser convidado entre outras coisas. Assumir um namoro é dizer sim ao desconhecido, ao futuro, é um projeto, é um lançar a frente (etimologia de projectum em latim). Pode começar em uma amizade, ou poder ser uma descoberta como um lampejo de uma ideia.
Por hora deixo aqui esta reflexão, no entanto sabendo que ainda falta questões a serem abordadas, mas que serão retomadas em breve.