quarta-feira, 21 de maio de 2014

O Paradoxo de Electro



Fui ao cinema duas vezes para assistir ao “Homem-Aranha 2: A ameaça de Electro” e claro várias coisas no filme me chamaram a atenção, desde o dilema de Peter Parker em manter sua relação com Gwen Stacey, por ter prometido ao pai dela que se afastaria dela para mantê-la a salvo, até a figura bastante emblemática do vilão Electro.

Optei por me deter no vilão por perceber nele mais do que gostaria. Electro é interessante porque é uma força da natureza (eletricidade), porque é a manifestação do poder dessa força natural fora de controle e acima de tudo porque revela a passagem da impotência ao poder.

Max Dillon é o cara apagado na multidão, é o clássico loser da pragmática sociedade americana, não namora, não tem amigos, é solitário e quer a qualquer custo ser reconhecido, e isso mesmo trabalhando em uma empresa grande como a Oscorp como engenheiro elétrico. Três coisas marcam a pessoa de Max Dillon, o encontro com o Homem – Aranha quando este o salva, o encontro no elevador com Gwen e o acidente que o transformará em Electro.

Quando o homem Aranha o salva, Max Dillon lhe diz que não é ninguém, ou seja, ele é invisível para as pessoas, sem importância para o conjunto. No entanto, O Homem-Aranha lhe diz que ele é alguém (o chama pelo nome) e diz para Max que ele é “olhos e os ouvidos dele (do Homem-Aranha)” (mostrando a importância dele para o conjunto). Assim o herói se torna uma luz na vida do futuro vilão, símbolo de esperança, pelo ato generoso do reconhecimento que para Max cria um laço de amizade.
A experiência do encontro com Gwen é parecida com a do encontro com Homem-Aranha, porque o que define a marca do encontro é o reconhecimento, Gwen se lembra do nome de Max quando sai do elevador, os dois tem uma conversa rápida e impessoal, porque não se conheciam, mas o que o marca é que ela se despede chamando o pelo nome, isso é atribuindo lhe humanidade, ele se vê nessa relação não como um objeto a serviço da Oscorp, mas como uma pessoa com quem ele teve a oportunidade de partilhar a admiração pelo herói que salvou a sua vida.

O terceiro momento é aquele que vai marcar a virada do personagem, Max sofre um acidente na Oscorp quando tentava dar manutenção na rede elétrica de uma pesquisa da empresa (cujas plantas baixas da distribuidora de energia ele fez e a Oscorp roubou a ideia). O acidente ocorre no dia do aniversário de Max e coincidiu com a morte do fundador da Oscorp, Norman Osborn, a empresa está de luto e todos os funcionários são liberados, menos Max que foi obrigado a fazer plantão e corrigir possíveis falhas no sistema elétrico. O acidente acontece justamente porque era necessário desligar a energia para fazer um reparo e um dos responsáveis se recusa a desligar para ir embora, Max está sozinho, e é eletrocutado por uma grande descarga elétrica e cai numa espécie de poço cheio de enguias que são usadas no projeto de pesquisa da Oscorp para produzir energia limpa e sustentável. Nesse poço as enguias o atacam e Max é dado como morto, mas não é bem assim que a coisa toda termina.

O paradoxo de Electro começa quando percebemos que Max tratado como um ninguém, se torna Electro, mas ainda ele não é “Electro”, sua identidade é construída no segundo encontro com Homem- Aranha na Time’s square. Max segue o movimento da energia elétrica nos cabos que passam pelo chão é quando a confusão se arma quando um policial tenta impedi-lo de tocar os cabos, a praça está cheia, e as câmeras de TV se voltam para aquele novo ser que se manifesta ao público.
A Time’s Square não poderia ser o lugar melhor para a primeira aparição de Electro, porque a praça movimentada é a metáfora da vida pública do espaço onde nos manifestamos como parte de um corpo social, de uma comunidade. É o lugar privilegiado do reconhecimento, e esse ponto é muito importante. Quando Max aparece em todas as grandes telas da famosa praça nova iorquina a primeira coisa que ele faz é se contemplar nas telas e dizer: “todos estão me vendo!” Ele ainda não se vê como um monstro, como um vilão, está assustado e não tem controle sobre seus novos poderes, está perdido literalmente desorientado, sem orientação sem saber para onde ir e o que fazer o ápice é o reencontro com o Homem- Aranha que ele vê como amigo, mas este não o reconhece, e ao longo da conversa, Peter tenta acalmá-lo para orientá-lo, o que é claramente é um processo de humanização. Até o ataque derradeiro da Polícia que simboliza o medo do desconhecido, do que não é reconhecido como parte do conjunto social, é assim surge Electro.

Electro se torna a personificação do poder, do poder da natureza, soberano  e sem controle, mas também é o reflexo da escuridão provocada pelo isolamento social, ele tem o poder de iluminar, mas vive num mundo escuro sem esperança.
É isso que significa criar um mundo semelhante ao mundo dele, “um mundo escuro e sem esperança, um mundo sem o Homem- Aranha...” (O homem- aranha aqui é a personificação da esperança).

Electro, com efeito, é uma pessoa boa que tem a natureza desvirtuada pelas circunstâncias, já conhecia a escuridão e se torna a personificação dela, era impotente e se torna muito poderoso, a essência do poder da natureza na eletricidade.
Ironicamente o destino de Max que venerava um herói  foi se tornar um vilão, um pária por imposição da sua desumanização que começa na desconstrução da sua identidade e vai até o ponto em que só resta o algo, a coisa e não o ente humano dotado de expectativas e esperanças.
Electro é a desconstrução da natureza humana, o monstro, o divino, a fera (para aludir a condição humana segundo Aristóteles) nada mais são que modos diferentes de dizer a mesma coisa, que a natureza humana é dada na construção da identidade que é dada pelo reconhecimento da comunidade e na comunidade.