Fui ao cinema duas vezes para assistir ao “Homem-Aranha 2: A
ameaça de Electro” e claro várias coisas no filme me chamaram a atenção, desde
o dilema de Peter Parker em manter sua relação com Gwen Stacey, por ter
prometido ao pai dela que se afastaria dela para mantê-la a salvo, até a
figura bastante emblemática do vilão Electro.
Optei por me deter no vilão por perceber nele mais do
que gostaria. Electro é interessante porque é uma força da natureza
(eletricidade), porque é a manifestação do poder dessa força natural fora de
controle e acima de tudo porque revela a passagem da impotência ao poder.
Max Dillon é o cara apagado na multidão, é o clássico loser
da pragmática sociedade americana, não namora, não tem amigos, é solitário e
quer a qualquer custo ser reconhecido, e isso mesmo trabalhando em uma empresa
grande como a Oscorp como engenheiro elétrico. Três coisas marcam a pessoa de
Max Dillon, o encontro com o Homem – Aranha quando este o salva, o encontro no
elevador com Gwen e o acidente que o transformará em Electro.
Quando o homem Aranha o salva, Max Dillon lhe diz que não é
ninguém, ou seja, ele é invisível para as pessoas, sem importância para o
conjunto. No entanto, O Homem-Aranha lhe diz que ele é alguém (o chama pelo
nome) e diz para Max que ele é “olhos e os ouvidos dele (do Homem-Aranha)”
(mostrando a importância dele para o conjunto). Assim o herói se torna uma luz
na vida do futuro vilão, símbolo de esperança, pelo ato generoso do
reconhecimento que para Max cria um laço de amizade.
A experiência do encontro com Gwen é parecida com a do
encontro com Homem-Aranha, porque o que define a marca do encontro é o
reconhecimento, Gwen se lembra do nome de Max quando sai do elevador, os dois
tem uma conversa rápida e impessoal, porque não se conheciam, mas o que o marca
é que ela se despede chamando o pelo nome, isso é atribuindo lhe humanidade,
ele se vê nessa relação não como um objeto a serviço da Oscorp, mas como uma
pessoa com quem ele teve a oportunidade de partilhar a admiração pelo herói que
salvou a sua vida.
O terceiro momento é aquele que vai marcar a virada do
personagem, Max sofre um acidente na Oscorp quando tentava dar manutenção na
rede elétrica de uma pesquisa da empresa (cujas plantas baixas da distribuidora
de energia ele fez e a Oscorp roubou a ideia). O acidente ocorre no dia do
aniversário de Max e coincidiu com a morte do fundador da Oscorp, Norman
Osborn, a empresa está de luto e todos os funcionários são liberados, menos Max
que foi obrigado a fazer plantão e corrigir possíveis falhas no sistema
elétrico. O acidente acontece justamente porque era necessário desligar a
energia para fazer um reparo e um dos responsáveis se recusa a desligar para ir
embora, Max está sozinho, e é eletrocutado por uma grande descarga elétrica e
cai numa espécie de poço cheio de enguias que são usadas no projeto de pesquisa
da Oscorp para produzir energia limpa e sustentável. Nesse poço as enguias o
atacam e Max é dado como morto, mas não é bem assim que a coisa toda termina.
O paradoxo de Electro começa quando percebemos que Max
tratado como um ninguém, se torna Electro, mas ainda ele não é “Electro”, sua
identidade é construída no segundo encontro com Homem- Aranha na Time’s square.
Max segue o movimento da energia elétrica nos cabos que passam pelo chão é
quando a confusão se arma quando um policial tenta impedi-lo de tocar os cabos,
a praça está cheia, e as câmeras de TV se voltam para aquele novo ser que se
manifesta ao público.
A Time’s Square não poderia ser o lugar melhor para a
primeira aparição de Electro, porque a praça movimentada é a metáfora da vida
pública do espaço onde nos manifestamos como parte de um corpo social, de uma
comunidade. É o lugar privilegiado do reconhecimento, e esse ponto é muito
importante. Quando Max aparece em todas as grandes telas da famosa praça nova
iorquina a primeira coisa que ele faz é se contemplar nas telas e dizer: “todos
estão me vendo!” Ele ainda não se vê como um monstro, como um vilão, está
assustado e não tem controle sobre seus novos poderes, está perdido
literalmente desorientado, sem orientação sem saber para onde ir e o que fazer
o ápice é o reencontro com o Homem- Aranha que ele vê como amigo, mas este não
o reconhece, e ao longo da conversa, Peter tenta acalmá-lo para orientá-lo, o
que é claramente é um processo de humanização. Até o ataque derradeiro da
Polícia que simboliza o medo do desconhecido, do que não é reconhecido como
parte do conjunto social, é assim surge Electro.
Electro se torna a personificação do poder, do poder da
natureza, soberano e sem controle, mas
também é o reflexo da escuridão provocada pelo isolamento social, ele tem o
poder de iluminar, mas vive num mundo escuro sem esperança.
É isso que significa criar um mundo semelhante ao mundo
dele, “um mundo escuro e sem esperança, um mundo sem o Homem- Aranha...” (O
homem- aranha aqui é a personificação da esperança).
Electro, com efeito, é uma pessoa boa que tem a natureza
desvirtuada pelas circunstâncias, já conhecia a escuridão e se torna a personificação
dela, era impotente e se torna muito poderoso, a essência do poder da natureza
na eletricidade.
Ironicamente o destino de Max que venerava um herói foi se tornar um vilão, um pária por
imposição da sua desumanização que começa na desconstrução da sua identidade e
vai até o ponto em que só resta o algo, a coisa e não o ente humano dotado de
expectativas e esperanças.
Electro é a desconstrução da natureza humana, o monstro, o
divino, a fera (para aludir a condição humana segundo Aristóteles) nada mais
são que modos diferentes de dizer a mesma coisa, que a natureza humana é dada
na construção da identidade que é dada pelo reconhecimento da comunidade e na
comunidade.