Todos os dias passava pela tua janela entreaberta. E mesmo
não te vendo via a abertura da janela, que como a minha alma estava aberta
esperando ser perscrutada por você.
Passava e olhava espreitando devagar para não ser
descoberto, segredo de Eros que não queria ser revelado a Psiquê.
Um dia, a janela estava trancada, não apenas os vidros como
acontece nos dias de chuva, mas totalmente trancada, já não podia ver o teu
íntimo.
Eros já não podia mais ver Psiquê, contaram-lhe que ele era
um monstro e ela quase o matou.
Tua janela trancada é um interdito que não suporto. Esse
fechamento da alma que me estrangula. Que corta as minhas asas e me impede de
voar.
O inverno chegou e o frio com ele e a tua janela está
fechada, lacrada, interditada para os meus olhos. Minha alegria não era ver você,
mas saber que você estava ali, essa presença no vazio, porque via no vazio a
sua presença, pelo vão da janela.
Agora não verei mais e o meu coração sangrou, porque antes
tinha sua presença no vazio, era uma presença velada, mas ainda assim uma
presença, agora tudo que tenho é uma ausência completa! Ausência plena e
nefasta, se antes quando passava pela tua janela não ouvia o canto dos
pássaros, agora o silêncio não fala, não é mais aquele silêncio tagarela de
outrora, o silêncio emudeceu como a madrugada fria dos invernos mais rigorosos.
O silêncio agora é um abismo que se fecha e me engole.
Você viu o meu rastro no teu jardim, pensou que fosse um
monstro e trancou a janela para mim. Já passou pela tua cabeça que a luz que
vinha do teu quarto era a única luz que eu via todas as noites quando
espreitava tua janela?
Parece que revivemos o conto de Eros e Psiquê, mas nesse
conto Psiquê não ama Eros, apenas Eros, o amor, amou com força e vigor uma
mortal que nunca se tocou que um deus a amou.