Após apresentar o tema do namoro como instituição fazer a
desconstrução do amor romântico e apresentar em grandes linhas uma alternativa
ao amor romântico que chamo de amor-amizade.
O próximo passo é expor um pouco sobre o celibato como forma
oposta ao namoro como instituição traçar algumas características próprias dessa
forma de vida na antiguidade pré-cristã (basicamente na cultura greco-romana) e
depois dentro do cristianismo.
Ser celibatário significa não ser casado, mais que isso
significa ser solteiro no sentido de não ser comprometido com ninguém, em
outras palavras, não possuir qualquer relacionamento conjugal.
Hoje em dia a palavra celibato está associada à vida
religiosa cristã e vinculada a uma vida casta. No entanto, nem sempre foi
assim, o que pretendo aqui é tentar fazer uma genealogia do celibato como uma
forma de vida oposta ao do namoro e do casamento na qual o princípio fundante
não é estabelecer uma relação duradoura, mas sim uma relação fugaz e na maioria
das vezes instrumental com outras pessoas.
A cultura do celibato no mundo pré-cristão greco-romano é o
paradigma de uma vida promíscua e voltada para o prazer, sobretudo o prazer
sexual em que a forma de amor que prevalece é a erótica, isto é, o amor
enquanto desejo (eros) e não enquanto
amizade (phília). Em que o interesse
é saciar o desejo através da sedução e posse do amado e não de uma relação de
equidade.
Negando a equidade, o outro, passa a ser um meio para
alcançar ou satisfazer o fim que é o prazer da conquista e a sua consumação nos
atos próprios da dimensão erótica (beijo, carícias e o ato sexual em si). As
juras de amor não tem como finalidade uma correspondência que visa a construção
de uma relação duradoura, mas apenas uma relação que tem por finalidade saciar
o desejo imediato que se apresenta na atração que o amado exerce sobre o
amante.
No Diário de um
sedutor Kierkergaard apresenta como funciona a dimensão erótica para o
celibatário laico, nesse caso específico o sedutor se contenta apenas em
seduzir e encantar o amante ou a amante e não em correspondê-la (o). Aceita-se
saber e sentir-se amado, mas não deseja engajar-se numa relação com aquele (a)
que é o seu objeto de amor. O objetivo é puramente estético, o que significa
puramente sensualista.
Um celibatário na antiguidade pré-cristã romana geralmente
freqüentava prostíbulos e orgias. Nos dias de hoje freqüenta algumas festas e
boates, mas o objetivo é o mesmo a prática estética da conquista, apenas pela
conquista ou pela satisfação dos prazeres ligados a sexualidade.
O advento do cristianismo reconstruiu o sentido do celibato,
não de imediato, mas pouco a pouco o celibato foi associado a uma forma de vida
vinculada ao serviço à comunidade cristã, a parte da experiência de união com
Deus e, sobretudo, a prática da fraternidade nas primeiras comunidades
monásticas. O celibatário cristão abraça a castidade como parte de uma
atividade ascética que favorece a sua experiência religiosa.
Claro no contexto cristão a castidade é fundamental para a
vida moral e para a vivência correta da sexualidade, não é só uma prática
ascética própria do celibato perpétuo, mas é uma propedêutica para a vida
matrimonial. A idéia central da castidade é instruir o desejo com a razão
controlando-o ao invés de se deixar controlar pelo desejo.
Também no cristianismo é possível falar de uma erótica
vinculada à mística na vida religiosa, em que Deus , é o amado e o místico ou homem
religioso é o amante. Imagem que aparece no Cântico
dos cânticos (embora, como sabemos o Cântico
dos cânticos não tem essa finalidade mística, mas são poesias atribuídas a
Salomão, no entanto, há algumas menções dos Cânticos
dos cânticos nos escritos de São João da Cruz, por exemplo) e que retrata o
desejo do homem religioso de se unir a Deus. Nesse caso, diferente do celibatário laico o
interesse não é uma satisfação momentânea ou mesmo uma conquista, mas trata-se
de um desejo de plenitude. Veja que há uma inversão no sentido do caminho
percorrido pelas duas formas de celibato uma visa a satisfação imediata e fugaz
dos prazeres ligados a vida sexual e o outro procura elevar o espírito no
mergulho do mistério da transcendência divina.
O celibato, portanto, se mostra como uma forma parcial de se
relacionar com o outro (no celibato laico), por um lado, e como uma forma de
elevação da condição humana, por outro, e se apresenta como uma forma
alternativa com relação ao namoro e ou casamento. O meu enfoque não é tanto o
celibato na vida cristã, mas o resgate do conceito secular para mostrar como
ele ainda está presente na nossa cultura principalmente pelo incentivo à busca
pelo prazer e o culto do eu.
Como falei no primeiro texto em que abordei comecei a abordar a questão, um dos
maiores problemas para o namoro como instituição, isto é, aquilo que malogra a
estabilidade da relação é justamente quando uma das partes ou as duas misturam
as duas formas de vida, em outras palavras, quando se quer namorar sem abrir mão
da vida de solteiro. Não estou dizendo aqui que a pessoa abre mão de seus
desejos pessoais: profissionais, sair com os amigos e fazer coisas que
normalmente faria se estivesse solteiro, mas que querer ter uma
namorada ou namorado, mas querer continuar a ser um conquistador, sedutor de
outras parceiras geralmente tende a malograr a estabilidade da relação enquanto
tal. Lembrando é claro que aqui eu não estou discutindo os chamados
relacionamentos abertos que extrapolam a ideia central do namoro como vida
partilhada a dois.
O outro problema que se apresenta é a preferência pela erótica
em detrimento de um amor que valoriza o outro como igual, quando se opta pela
erótica a relação só é interessante até o momento da conquista, a conservação
da relação não é importante, pelo menos não para um relacionamento duradouro,
porque na erótica a duração é medida pela atração exercida pelo outro e não
pelo reconhecimento do outro como um igual digno de respeito, de cuidado e
carinho. Por isso, também a paixão é apresentada como um problema, já que a
paixão se alimenta de uma imagem projetada do amado e não daquilo que ele
realmente é, não acolhe o amado com suas virtudes e vícios, mas apenas com
aquilo que desejo ver nele.
Acredito que apresentei de modo geral a questão do celibato
e a erótica. A ideia central do texto era expor a dimensão estética, hedonista
e fugaz do celibato laico, não sei se atingi o objetivo, mas fiz um esforço de
ao menos esboçar a questão.