quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Entre vãos

São esses intervalos que consomem a minha alma, petrificam o meu espírito e drenam o meu prazer de viver. Nesses intervalos que a ausência se torna presente como a consciência manifesta de que a luz sempre projeta alguma sombra.
Nesses intervalos parece que a minha consciência se torna nítida, áspera, toca com profundidade a sombra projetada pela luz fixa-se nela e volta-se toda para a escuridão diante da claridade. Parece mesmo que vejo na luz a escuridão como se os meus olhos filtrassem no positivo o negativo, naquilo que é o que não é, como se não visse os pontos, mas apenas o intervalo.

Essa é a consciência da ausência, a experiência da privação e o princípio, a causa motriz da angustia, esse desejo frustrado de ver luz onde não há, de ver presença onde não há nada, onde há apenas vazio.
Parece que sou essencialmente intervalo, parece que sou pausa, silêncio, aquele mesmo tagarela que me assombra durante as noites de insônia.
Parece que sou a negatividade que emerge na positividade como o óleo que não se mistura com a água.

Esses intervalos, essas singularidades que parecem ser cheias de necessidades não passam de uma ilusão tão real que engana o mais lúcido.
Mas o que é ser lúcido? Senão está cheio de luz, iluminado, brilhante, reluzente!?
Ora, se a ilusão reside no intervalo e se é só ele que vejo em meio a luz, minha lucidez é trevas, escuridão e cegueira.

São esses intervalos que consomem a minha alma, são eles que me petrificam, tiram o sabor da vida. Nesses intervalos eu me apercebo e percebo que a ausência se torna presente, simulacro do desejo frustrado que chamamos de angustia, ansiedade derradeira que queima como um fogaréu.
Aqui e acolá o intervalo se manifesta como consciência de liberdade, essa consciência que cartesiana paira só ipso factum e vê nas causas incausadas um motriz para o sofrer.

Perdido na singularidade constato que somos mundos intangíveis sabotados pela concupiscência e pelo medo malogrando a nossa felicidade.