Certa vez uma pessoa me disse: “eu sei que você preza pela
sua autossuficiência”. Traduzindo em miúdos ela estava me dizendo: “eu sei que
você não gosta de depender de ninguém. Eu sei que você aprendeu a fazer tudo
sozinho, a se virar.”
Lembrei-me desse momento essa semana depois de algumas
coisas que aconteceram. Vivo dizendo para mim mesmo e para os amigos mais
íntimos que a minha vida é cercada de ironias, parece está sempre a zombar de
mim.
Essa lembrança, penso, é apenas mais uma forma da vida jogar
na minha cara o quanto ela é perversa e por vezes injusta.
Sempre busquei a tal autossuficiência, talvez a perfeição
mais doentia que um homem consciente de que é um ser de relação possa almejar.
É um paradoxo que nós seres humanos sejamos perfeitos em nossa imperfeição,
completos em nossa incompletude e que justamente o que nos faz ser
autossuficientes é ser dependentes uns dos outros. Não, não trato a dependência
aqui de uma forma tão vulgar, não é uma dependência que suga e muito menos uma
relação utilitarista e ou pragmática na qual o outro só vale enquanto me serve
para algo.
Não, quando falo da dependência que nós seres humanos temos
em relação uns com os outros eu me refiro a algo similar ao quebra-cabeça. De
fato, o quebra-cabeça só é verdadeiramente completo quando todas as peças estão
conectadas soltas elas não formam uma imagem, não formam um conjunto, não
formam nada.
De tal forma é o ser humano sozinho é homem e capaz de
muitas coisas, mas as condições que lhe são próprias dentre elas a finitude o
faz incompleto e não forma a imagem do todo que a humanidade pode representar.
Eu enfrento esse dilema quando penso a autossuficiência como
um desejo meu, esse movimento sofrível que me faz permanecer desconectado do
resto das pessoas. Não quero depender delas, em nada, em nenhum aspecto da
minha vida. No entanto, me vejo sempre carente de algo, porque sou incompleto
como os andróginos de Aristófanes.
Por isso, é que vejo algo de fascinante e ao mesmo tempo
perturbador nesse paradoxo da humanidade, fascinante porque, se por um
lado, somos perfeitos em nossa
imperfeição então aquilo que deveria ser considerado um defeito na verdade é
uma virtude e, de outro lado, todo aquele que busca a autossuficiência
compreendendo-a como isolamento está na verdade destruindo a sua humanidade.
Não tenho a intenção aqui de pintar uma humanidade bonita, justa e admirável,
mas imagino que o que se pode pensar aqui não é uma finalidade para o ser
humano é antes uma constatação do nosso limite (finis).
Naquela época eu achava que estava correto em ser ou almejar
a tal autossuficiencia, hoje vejo que eu era tão arrogante que me censuraria se
tivesse a oportunidade.
Ainda busco a autossuficiência, mas seguindo um caminho mais
modesto, um caminho no qual outros possam trilhar comigo, em que eu possa ter a
certeza de que sempre claudicante eu posso tropeçar, mas que a minha liberdade
está associada a mão estendida daqueles que vão comigo mirando o horizonte.