sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Capítulo das lembranças: Autossuficência

Certa vez uma pessoa me disse: “eu sei que você preza pela sua autossuficiência”. Traduzindo em miúdos ela estava me dizendo: “eu sei que você não gosta de depender de ninguém. Eu sei que você aprendeu a fazer tudo sozinho, a se virar.”
Lembrei-me desse momento essa semana depois de algumas coisas que aconteceram. Vivo dizendo para mim mesmo e para os amigos mais íntimos que a minha vida é cercada de ironias, parece está sempre a zombar de mim.
Essa lembrança, penso, é apenas mais uma forma da vida jogar na minha cara o quanto ela é perversa e por vezes injusta.

Sempre busquei a tal autossuficiência, talvez a perfeição mais doentia que um homem consciente de que é um ser de relação possa almejar. É um paradoxo que nós seres humanos sejamos perfeitos em nossa imperfeição, completos em nossa incompletude e que justamente o que nos faz ser autossuficientes é ser dependentes uns dos outros. Não, não trato a dependência aqui de uma forma tão vulgar, não é uma dependência que suga e muito menos uma relação utilitarista e ou pragmática na qual o outro só vale enquanto me serve para algo.
Não, quando falo da dependência que nós seres humanos temos em relação uns com os outros eu me refiro a algo similar ao quebra-cabeça. De fato, o quebra-cabeça só é verdadeiramente completo quando todas as peças estão conectadas soltas elas não formam uma imagem, não formam um conjunto, não formam nada.
De tal forma é o ser humano sozinho é homem e capaz de muitas coisas, mas as condições que lhe são próprias dentre elas a finitude o faz incompleto e não forma a imagem do todo que a humanidade pode representar.

Eu enfrento esse dilema quando penso a autossuficiência como um desejo meu, esse movimento sofrível que me faz permanecer desconectado do resto das pessoas. Não quero depender delas, em nada, em nenhum aspecto da minha vida. No entanto, me vejo sempre carente de algo, porque sou incompleto como os andróginos de Aristófanes.
Por isso, é que vejo algo de fascinante e ao mesmo tempo perturbador nesse paradoxo da humanidade, fascinante porque, se por um lado,  somos perfeitos em nossa imperfeição então aquilo que deveria ser considerado um defeito na verdade é uma virtude e, de outro lado, todo aquele que busca a autossuficiência compreendendo-a como isolamento está na verdade destruindo a sua humanidade. Não tenho a intenção aqui de pintar uma humanidade bonita, justa e admirável, mas imagino que o que se pode pensar aqui não é uma finalidade para o ser humano é antes uma constatação do nosso limite (finis).

Naquela época eu achava que estava correto em ser ou almejar a tal autossuficiencia, hoje vejo que eu era tão arrogante que me censuraria se tivesse a oportunidade.
Ainda busco a autossuficiência, mas seguindo um caminho mais modesto, um caminho no qual outros possam trilhar comigo, em que eu possa ter a certeza de que sempre claudicante eu posso tropeçar, mas que a minha liberdade está associada a mão estendida daqueles que vão comigo mirando o horizonte.