“Atena - Eis minha função, decidir por último. Depositarei este
voto a favor de Orestes.” (Ésquilo, Eumênides
735)
A expressão voto de Minerva é bastante conhecida no meio
popular. O voto de Minerva como é sabido é o voto dado com o intuito de decidir
uma questão que não tem um consenso, que está empatado. Mas eis que estamos às voltas com um segundo
turno de eleições presidenciáveis e a questão não está empatada quanto ao
número de votos, mas sim na minha modesta opinião na qualidade de ambos os
candidatos.
Para um apartidário como eu é muito difícil votar por um
partido confesso que não sei fazer esse tipo de coisa, aos que fazem o meu
respeito, porque sei que se o fazem tem suas razões. No entanto, a questão é
será que avaliamos nossas razões quando votamos? Será que eliminamos em nós a
fumaça da confusão que permeia o nosso raciocínio infectado pelo pathos do imediato? Voltemos ao voto de
Minerva, o que o mito que nos legou essa expressão nos expõe? Orestes é da
família dos átridas, filho de Agâmenon. O jovem é o assassino da mãe para vingar o pai
e, perseguido pelas Fúrias, estas representam o antigo modelo de justiça
anterior ao surgimento da Pólis e
querem o sangue de Orestes para compensar o sangue de sua mãe, porque este
matou uma consanguínea. Orestes pede asilo como suplicante no Templo de Apollo
e este o acolhe e junto com Atena (Minerva).
Então, a deusa patrona da Ática instaura o tribunal no areópago
próximo a colina de Ares em Atenas onde se realizará o julgamento do jovem átrida
é então que chegamos ao ponto que nos interessa, pois a contagem dos votos
aponta um empate técnico entre os que o julgam culpado e os que o absolveram da
acusação de homicídio. Então, a deusa
que está presidindo o julgamento chama para si a responsabilidade e dá o seu
voto como assinala a epígrafe acima. O voto dela decidiu o julgamento em favor de
Orestes e qual é o motivo que a leva a inocentar o jovem? Atena diz: “Não há
mãe nenhuma que me gerou. Em tudo, fora núpcias, apoio o macho com todo ardor,
e sou muito do pai.” (Ésquilo, Eumênides 735).
O que a leva a inocentar o jovem átrida é que ela faria o mesmo que o rapaz,
isto é, faria de tudo pelo pai, pois que ela desconhece qualquer relação materna.
Creio que a resposta da deusa tem muito a nos ensinar
sobre os motivos que nos levam a tomar uma decisão seja sobre o que for. Ela opta
por Orestes porque não tem mãe e nós optaremos por este ou aquele candidato
nessas eleições por quais motivos?
Não me venham com números estimativas e históricos
passados, pois a verdade é que quando os vejo e ouço chego “ a me esquecer de
quem eu sou” . Todas as vezes que vejo militantes de A ou B falando em nome de
seus partidos e de seus candidatos é como se eu escutasse Críton na prisão
tentando convencer Sócrates a fugir.
“Toma a tua decisão já, embora a altura não seja para
deliberar, mas para ter deliberado.” (Platão, Críton 46a) diz Críton ao seu amigo e eu escuto e vejo pelas redes
sociais “ vote nesse candidato que é a favor disso e contra aquilo” ou “Vote no
candidato fulano que defende o interesse de X e não de Y”. Mas é preciso dar a
resposta que Sócrates deu ao seu amigo: “Meu caro Críton, o teu zelo é muito louvável,
se for acompanhado de reta razão. Caso contrário, será tanto mais inconveniente
quando maior for. Teremos, pois, de examinar se o que me propões deve ser feito
ou não, visto que eu fui sempre, e não apenas agora, de molde a não me deixar
convencer por outro argumento que não seja aquele que a minha razão considere o
melhor.” (Platão, Críton 46b)
Por que devemos dar aos Crítons da vida que nos
interpelam essa resposta? Simples, porque não podemos tomar nenhuma decisão
mergulhados no medo que a primeira impressão dos fatos nos impõe. É preciso buscar razões no mais íntimo de nós
sem descurar das opiniões que nos acercam. Não se trata de tomar apenas um dos
lados como Atena faz na peça de Ésquilo é preciso avaliar se as opiniões e se
os discursos que se nos apresentam são condizentes com a realidade e se de fato
quem está disputando o poder nos representa. E se ainda assim você opta por um
deles ou por nenhum, está decidindo peremptoriamente por uma razão que te move
e te faz crer que a sua decisão é correta.
Embora eu tenha consciência de que não é o meu voto quem
vai decidir a eleição, me propus a transformar o meu voto em um voto de
Minerva, com efeito, não para que desempate e muito menos para decidir as
eleições, pois sei que o meu voto não tem esse poder, o que decide as eleições
é a consciência magnânima que Rousseau denominou vontade geral que é mais que a
soma das nossas vontades particulares em vista do bem comum.
Me propus a ouvir tudo e todos, a examinar cuidadosamente
os fatos como Sócrates se propôs a fazer com seu amigo Críton e, só então
decidir, não como Atena, que opta pela absolvição do jovem átrida porque “é
muito do pai” mas que a minha decisão seja porque “não vou me deixar convencer
por nenhum argumento que não seja aquele que a minha razão considere o melhor.