Segundo o
Padre Fábio de Melo: “O clichê é um amparo teórico que nos dispensa
de pensar por nós mesmos.” O que vou tentar fazer aqui é um exercício
reflexivo em torno dessa intuição compartilhada por Padre Fábio de Melo em sua
conta do twitter.
Mas ao mesmo tempo em que vou me deter nessa excelente
definição do vocábulo ‘clichê’ tentarei ir além, porém, sem sair do foco que a
definição apresentada por Fábio de Melo expõe com tanta clareza.
De fato, o clichê é aquela atitude mecânica que permite que
fiquemos em nossa zona de conforto, é um recurso que a convenção social baliza de
forma a evitar conflitos e permitir que a vida em sua completa boçalidade possa
transcorrer sem grandes problemas. Enquanto “amparo teórico que nos dispensa de
pensar por nós mesmos” o clichê é como que uma espécie de manual que tem por
objetivo garantir ao máximo que nunca saiamos de nossa zona de conforto e por
isso perguntamos “tudo bem?” e respondemos: “vou bem, obrigado!” sem titubear
ainda que não estejamos bem, porque dizer que não estamos bem gera conflito,
pede ao outro que ele enquanto, amigo, colega seja responsável e se disponha a
ser engajado com o outro. Conflito não é só o atrito que gera o mero desacordo,
o próprio desacordo é fruto do descompasso entre dois indivíduos, o conflito é
o desconforto gerado pelo compromisso que sou impelido a assumir para com o
outro. Em uma sociedade individualista e consumista como a nossa, não há
desconforto maior do que ter que se relacionar com certo grau de profundidade com
as pessoas.
As pessoas de modo geral esperam que todo mundo use o piloto
automático e fique por isso mesmo. Em outras palavras, clichê é o piloto
automático da vida que me dá certo conforto, evita embaraços e não exige engajamento
com as pessoas.
Bons exemplos que o cinema nos deixou, vou citar dois: O
filme “Clic” com Adam Sandler apresenta
o clichê como automatismo social. O Personagem de Sandler usa o controle remoto para saltar as partes
de sua vida que ele considera chata, por exemplo, o jantar com os seus pais e
familiares e até mesmo o momento de intimidade com a sua esposa, tudo para
poder ter mais tempo para o trabalho. Outro filme, este mais recente, é o “Doador
de memórias” esse filme merece uma reflexão a parte pelos vários elementos que
nos dão o que pensar, mas fico aqui com uma única cena do filme no primeiro
encontro entre Jonas (protagonista da história) e o doador de memórias. O
automatismo social mais comum no filme é: “eu aceito as suas desculpas” que o
doador imediatamente pede para que Jonas nunca mais repita na sua frente. Tal
automatismo reflete essa necessidade de evitar o conflito enquanto
desentendimento que gera animosidade ( uma das coisas que mais chama a atenção
no filme é que todos tem suas emoções suprimidas quimicamente).
Em uma sociedade que quer evitar ao máximo o conflito, preza
ao extremo a liberdade individual e estimula ao máximo o prazer pessoal como é
o caso da nossa sociedade vê no clichê uma excelente ferramenta que torna as
relações rasas e límpidas o suficiente para que possamos ver o fundo sem que
precisemos mergulhar a cabeça e nos molhar.
É aí, creio eu que o clichê se torna essa muleta que nos
dispensa de pensar por nós mesmos, já que sua função mais importante é permitir
que possamos tocar os nossos negócios sem se preocupar com qualquer coisa. O
clichê é uma poltrona confortável que faz tudo, inclusive servir aquele
cafezinho quente e cheiroso. É de fato amparo, muleta, recurso, mecanismo de
automatismo que faz com que pessoas que tem potência para ser um rio São
Francisco grande e imponente ver suas nascentes secar e sua vida passar até que
tudo o que foi vivido seja vazio e sem próposito.
O clichê está muito mais presente em nossas vidas do que gostaríamos.
Mas melhor seria se desligássemos o piloto automático e ousássemos mergulhar
fundo nas pessoas. Descobrir novos mundos e novos céus, o poeta latino brada: “Carpie
Diem!” Não pode ser um hedonismo barato, colher o dia é tirar o máximo de
proveito que ele tem para nós, isto é, viver a vida com suas alegrias e
tristezas, colher o dia é abrir mão do “amparo teórico que nos dispensa de
pensar” de que nos fala padre Fábio de Melo e não apenas reproduzir frases
desinteressadas que nos conforta como uma poltrona de massagens de um shopping
center, mas que nos permita, de fato, viver e conviver com a humanidade que
habita cada um de nós.