Já pararam para pensar em qual é o limite entre a loucura e
a lucidez? O que determina a nossa sanidade e a nossa normalidade? A piada
mortal uma das histórias do Batman mais famosas e que está entre as mais lidas
do universo das HQs. Escrita por Alan Moore em 1988 o foco da história é um
plano do Coringa de tentar tirar a decência de Gordon fazendo o inominável, ele
atira em Bárbara Gordon ,
sua filha, a violenta, fotografa para então, expor ao comissário de Gotham
City.
O Cavaleiro das trevas consegue salvar James Gordon e
encurralar o Coringa e tem uma das conversas mais incríveis do mundo dos
quadrinhos.
Nessa conversa uma simples piada diz tudo o que
precisaríamos saber sobre a loucura e a lucidez uma linha tênue, um pequeno
feixe que estabelece a fronteira que separa os “normais” dos “anormais”. Batman
sugere ao Coringa que poderia reabilitá-lo ao que o Coringa se lembra de uma
piada e a conta em resposta a proposta do homem-morcego vejamos o teor da
resposta do Coringa ao cavaleiro das trevas:
“Tinha dois caras num hospício e uma noite, eles decidiram
que não queriam mais viver lá e resolveram fugir! Aí foram até a cobertura do
hospício e viram, ao lado, o telhado de um outro prédio apontando para a lua
apontando para a liberdade. Então, um dos sujeitos saltou sem problemas pro
outro telhado, mas seu amigo se acovardou ele tinha medo de cair, sabe? Aí, o
primeiro cara teve uma idéia. Ele disse: ‘Ei! Estou com a minha lanterna aqui.
Vou acendê-la sobre o vão dos prédios e você atravessa pelo facho de luz!’ Mas
o outro sacudiu a cabeça e disse: ‘O que? Você acha que sou louco?!’ E se você
apagar a luz quando eu estiver no meio do caminho?’”
A piada contada pelo Coringa retrata imediatamente a relação
doentia de Batman/Bruce Wayne com Coringa. Se analisarmos o Batman seria tão
louco quanto o palhaço mais assustador de Gotham (E isso sem contar nos outros
vilões igualmente doentes como o Charada e ou a Hera venenosa) A loucura de
Bruce Wayne é ser Batman é assumir uma identidade ou um alter ego que escapole
das normas sociais vigentes em todos os sentidos.
E assim poderíamos dizer do
Coringa cuja origem é uma incógnita se torna a personificação da loucura. No
entanto, é curioso como nessa conversa temos como que uma inversão de sentido
já que o salto de lucidez parte do Coringa e não do Batman. Esse salto de
lucidez é manifesto na piada, já que o que o coringa quer dizer é que o Batman
seria o louco que oferece ao colega igualmente insano uma saída.
Mas se pensarmos essa piada dentro do roteiro magistral de
Alan Moore veremos que o esforço do Coringa em tentar corromper James Gordon, é
na verdade como que uma tentativa de mostrar a linha estreita entre a loucura e
a lucidez. Para o Coringa não há limites, a sanidade e a insanidade são a mesma
coisa, estamos todos no mesmo hospício e não questionamos a nossa loucura, essa
loucura chamada sociedade.
Talvez ainda que não quiséssemos viver mais no hospício a nossa loucura não acabaria, no fundo é isso que o Coringa me parece querer dizer, que a loucura é o outro lado da mesma moeda, ou como diz o Coringa encarnado por Heath Leadge: “o que não me mata me deixa mais estranho”.
E se pensarmos em como Camus no “O Homem revoltado” pinta a nossa
constante busca por sentido ao se deparar com o absurdo da existência, podemos
nos sentir como o Dândi revoltado de Humberto Gessinger, um estrangeiro, um
passante que em seu trânsito pelo mundo está à procura de um sentido para essa
loucura chamada vida.
Não sei dizer se o Coringa está certo, às vezes me lembro de
Foucault e a sua História da Loucura, e mesmo do velho Freud que não me deixa
esquecer que entre a lucidez e a loucura há a neurose em maior ou menor grau, mas
ela está lá à espreita nos assistindo, heróis trágicos que somos esperando a
morte fim dessa grande encenação que é a vida.