O
coração é desde a antiguidade o órgão que representa o ser humano por inteiro,
suas dimensões racionais e afetivas, suas virtudes e vícios, ou seja, tudo o
que ele é como ser humano em sua humanidade sem fragmentar-se é coração. Por
isso, falamos ainda hoje do coração como lugar do nosso ser e não a nossa
cabeça embora admitamos ser a cabeça o lugar da razão. A antropologia bíblica e
a antropologia filosófica do pensamento arcaico (poesia grega principalmente)
atestam o coração como centro da humanidade.
Compreendendo
o significado do coração como imagem do nosso íntimo, pergunto: por que entrar
ou sair do coração de alguém dói? Como é esse doer? A imagem à qual irei
recorrer para responder essas duas perguntas é fruto de um sonho que tive. A
imagem é uma dinâmica, exercício no qual realizamos uma experiência concreta do
que desejamos ensinar. A imagem foi construída do seguinte modo: um grupo de
pessoas formando um aglomerado dentro de uma tenda sem iluminação interna. A
pessoas entravam e não saiam inicialmente, quem estava do lado de fora não
ouvia barulho vindo da tenda, era como se ela tivesse isolamento acústico.
As
pessoas eram convidadas a entrar na tenda que já contava com um grande número
de pessoas. A primeira sensação: medo, porque não sabemos o que acontece dentro
da tenda. A segunda sensação: curiosidade, queremos saber o que há no interior da
tenda descobrir o que se passa lá dentro. A terceira sensação: coragem, você se
dispõe a enfrentar o medo inicial e resolve entrar na tenda. A quarta sensação:
o desejo, o desejo te move e você adentra a misteriosa tenda escura.
Essas
quatro sensações iniciais não se manifestam nessa ordem e muito menos podem se
manifestar todas de uma vez. Pode ser que você sinta apenas medo, ou coragem,
desejo ou curiosidade ou nenhuma delas. Dentro da tenda está escuro, você
esbarra nas pessoas pode tropeçar no meio delas enquanto entra na tenda, pode
até se machucar com uma cotovelada, tapa, soco, chute e com muitas agressões
voluntárias e involuntárias. Isso acontece porque não sabemos com o que ou quem
estamos lidando dentro da tenda e nesse percurso é parar dentro da tenda no
oculto da escuridão ou caminhar para achar a saída, só há duas possibilidades
ficar ou sair. Se sairmos ou ficarmos haverá consequências, ninguém escapa
ileso da tenda. Quando se sai, a saída é sempre angustiante, dolorida, saímos marcados
no corpo, na alma pela experiência de andar entre tantos na escuridão. Essa é a
imagem que a dinâmica propõe, e o que ela ensina?
Entrar
na vida de alguém, isto é, entrar no coração de alguém é entrar nessa tenda, a
gente não sabe o que vai encontrar, e nem sabemos se vamos ser capazes de
permanecer.
As
quatro sensações experimentadas antes de entrar são as sensações que podemos
sentir dentre tantas possíveis quando conhecemos alguém. É natural que tenhamos
medo, curiosidade, coragem e desejo em relação às pessoas que conhecemos. O
medo por não saber o que esperar, ou como as pessoas irão reagir. A curiosidade
de saber como é conviver com aquela pessoa ou de entrar no universo da vida
dela. A coragem e o desejo de se arriscar e investir na relação. Em suma, são
os primeiros passos em qualquer relação humana.
A
tenda é escura porque assim como o coração de qualquer pessoa nós somos
incapazes de saber quantas pessoas ali habitam, quantas tem um lugar especial
na vida do outro quantas pessoas estão disputando o mesmo espaço no coração de
alguém. Por isso ao entrar e caminhar no coração de alguém ficamos sujeitos a
todo tipo de “agressão” algumas voluntarias fruto da disputa pelo lugar, outras
involuntárias fruto do nosso querer que nos põe em conflito com o que não
compreendemos ou aceitamos na vida do outro, o ciúme, a inveja, a insegurança
são alguns dos elementos que podem nos machucar nesse processo.
Desse
modo, só há duas possibilidades. Sair ou ficar, em ambos os casos haverá
conflito, haverá disputa por espaço, mas quando sair haverá a frustração e as
marcas da experiência gerada pela tensão no interior do coração do outro.
O
coração é lugar da intimidade, e sempre haverá disputas quando queremos fazer
parte da vida de alguém. Entrar ou sair do coração de alguém dói, portanto,
porque implica saber caminhar em território desconhecido no escuro confiando no
convite para permanecer com. Se não somos capazes de fazer essa experiência de
confiança somos expulsos do coração por nós mesmos, que provocamos a nossa expulsão.
Essa dor é a frustração, mas também é a dor do medo e da insegurança que são
constantes em nossas vidas principalmente quando não confiamos em nós mesmos e
refletimos essa desconfiança nos outros.
Brener
Alexandre 13/04/2017