segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Sorriso Portão

Era um sorriso tão bonito que se fosse um portão por ele eu adentraria.
Tu, porém, apenas dançar queria.

Em tua dança vibrava alegre.
todo teu corpo parecia arder em febre.
E sorria, sorria feito a lua no céu de dia.

Teu sorriso era um portão.
Um portal para o coração.
Pena que no sorriso aberto vi um portão fechado.
Pena que a sua alegria me desconhecia.

Eu queria gozar contigo.
Do tempo, do momento.
Eu queria me alegrar contigo
desconhecida que sorria.
Brener 25/11/2018

domingo, 4 de novembro de 2018

Liturgia erótica


A arte da sedução é uma liturgia,
Discreta e silenciosa magia,
Que comunica desejos e intenções secretas.

Nessa liturgia cada gesto significa muito.
Os olhos tagarelam em silêncio,
As mãos gritam de desejo.

O ritual é complexo na sua simplicidade.
Entre quadro paredes e sem vaidade.
Requer atenção aos desejos dos outros,
Para que todos se satisfaçam em comum acordo.

Essa liturgia celebra todas as fantasias,
Das mulheres e de homens de mente aberta;
Onde o desafio excita tanto quanto o jogo da conquista.

Excitação é o que move nossa liturgia,
Realizada com o corpo todo voltado para o outro.
Celebrando Eros desata membros com os auspícios de Dionísio.
Eis, o “ofício do povo”.

A liturgia erótica é um caminho de sedução
Envolve paixão e excitação.
Prazer de compartilhar.
Que não divide para conquistar.

Nos olhares que se entrecruzam,
Nos sorrisos que acolhem e convidam
No toque que abre as portas para a intimidade
Na conversa que celebra novas amizades.

Brener Alexandre 04/11/2018

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Flash reverso – ou a reviravolta dos ressentidos




“Cuidado com os dragões, pois, ao enfrenta-los você pode se tornar como um deles” (provérbio chinês).

Quem gosta de quadrinhos e de super-heróis certamente conhece o personagem “Flash” (Há uma seriado em curso do canal CW) da D.C Comics. Personagem conhecido como “velocista escarlate” tem na sua galeria de vilões um nêmesis, Eobard Thawne, o flash reverso. O flash reverso é o oposto do Flash. Eobard Thawne tinha profunda admiração por Barry Allen (identidade do herói de Central City) e converteu essa admiração em ressentimento convertendo-se em um dos maiores vilões do universo D.C responsável por um dos eventos mais famosos envolvendo não apenas o Flash, mas toda a liga da justiça (falo do flashpoint que altera a linha do tempo ao preservar a vida da mãe de Barry Allen – há uma animação sobre esse episódio.). O leitor deve está curioso e se pergunta: “Por que ele começou falando de um personagem de quadrinhos?” “Aonde você quer chegar com isso, amigo?” A resposta é simples.

Findado o processo eleitoral pude observar com mais atenção o comportamento das duas forças em disputa neste processo eleitoral. E tenho percebido que essa disputa eleitoral tem um pouco da rivalidade Flash – Flash reverso, explico.

Ao que parece boa parte do anti-petismo, não o é porque rejeita o porte autocrático do partido, porque discorda ideologicamente do partido, ou porque reconhece que no limite a administração petista deixou a desejar.

Trata-se antes de um antagonismo que mistura admiração e ressentimento, uma mistura perigosa onde a força da minha contraposição tem origem do que eu gostaria de fazer e não posso, mas na primeira oportunidade de fazer eu farei igual.

Durante as eleições isso ficou nítido no embate entre as forças das respectivas militâncias. Os bolsonaristas aprenderam e assimilaram o modus operandi das militâncias de esquerda e as replicou sistematicamente, o que empobreceu o debate público.
Agora, percebemos que no discurso e em muitas atitudes fica manifesto o interesse de restringir o discurso de oposição ao discurso vitorioso nas eleições.
É verdade que a esquerda vai precisar aprender a conviver com o pensamento divergente nas instituições de ensino particularmente e no debate público em geral. Mas esse processo é lento e gradual e exige das duas forças um respeito primordial as instituições da república, mais, precisa baixar o tom, pois a eleição terminada requer de todos atenção para acompanhar a transição do novo governo.

O bolsonarismo se vendeu como uma alternativa ao petismo, mas não pode ser igual ao petismo que eles combateram com altivez. Precisarão se apresentar à sociedade como defensores do direito de discordar, aprender a expor suas ideias com serenidade e, sobretudo, defender as instituições da república. Promover a livre circulação de ideias, enaltecendo a vida intelectual, a liberdade de cátedra e o direito de discordar.
Do contrário, o bolsonarismo tal qual Thawne, será um flash ao contrário, nesse caso um petismo ao contrário, ou nas palavras de Janaina Paschoal: “um PT com sinal trocado”; com tendências autocráticas e pouco republicanas.

Desse modo, cabe a cada um que menos preocupado em escolher um lado e mais preocupado em defender as liberdades individuais garantidas pelo princípio de cidadania constitucional não se deixar levar pelos gritos histéricos de nenhum dos lados, mas com os pés no chão resistir tal qual Odisseu resistiu ao canto das sereias aos encantos do ativismo míope que tem solapado o debate e criando na cultura política do país um ambiente propenso a truculência daqueles que só se fazem ouvir pela força.

Brener Alexandre 30/10/2018

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Sócrates, o isentão



“Se eu tivesse me envolvido na política, teria sido conduzido à morte há muito tempo e não teria feito nenhum bem a vós ou a mim mesmo” (PLATÃO, Apologia 31e).
O termo “isentão” cunhado para desmerecer eleitores moderados que a priori não assumem um posicionamento político claro e evidente, poderia ser claramente atribuído a Sócrates no episódio celebre por ele mesmo contado através de Platão, na qual ele não parte para o exílio junto com os membros do partido popular quando a tirania dos trinta foi instaurada em Atenas.

O relato da instauração da tirania dos trinta pode ser encontrado na Constituição de Atenas de Aristóteles tal como segue abaixo:
Uma das cláusulas do tratado de paz (da guerra do Peloponeso) estipulava que o Estado fosse por eles governado de acordo com a Constituição dos ancestrais (provavelmente a constituição de Sólon). Em consonância com isso o partido popular empenhou-se em preservar a democracia. Os notáveis, porém, integrantes das associações políticas, bem como exilados que já retornavam à pátria após a celebração da paz, almejavam a oligarquia; quanto aos notáveis não pertencentes às associações políticas, mas que em outros aspectos não se julgavam inferiores a quaisquer outros cidadãos, estavam interessados em restaurar a Constituição dos ancestrais. (...) Quando Lisandro se posicionou a favor do partido oligárquico, o povo sentiu-se pura e simplesmente intimidado e forçado a votar em favor da oligarquia (ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 34).

Tendo o povo aceitado a oligarquia como regime de governo a tirania dos trinta assumiu o controle na cidade e segundo Aristóteles: “Senhores do Estado, ignoraram no seu governo a maioria das resoluções que haviam sido aprovadas com referência à Constituição” (ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 35). A consequência imediata da displicência dos oligarcas no que tange a fazer cumprir a Constituição tal qual acordada pelos atenienses é descrita pelo Estagirita abaixo:
Inicialmente, agiram com moderação no trato dos cidadãos e simularam administrar o Estado de acordo com a Constituição dos ancestrais. (...) De início, portanto, ocupavam-se dessas atividades, na eliminação dos fraudadores e daqueles que se associavam de maneira indesejável ao povo lisonjeando-o e não passavam de indivíduos maldosos e patifes. Diante de tudo isso, a cidade mostrava-se muito satisfeita, no pensamento de agiam alimentando as melhores intenções. Mas tão logo consolidaram um controle ainda mais firme do Estado, não pouparam nenhuma classe de cidadãos, condenando à morte e executando aqueles que se distinguiam seja pela riqueza, seja pelo nascimento, seja pela reputação. Com isso visavam a eliminar todos que eles tinham motivo para temer,(...) (ARISTÓTELES, Constituição de Atenas, 35).

Notamos um exemplo bastante eloquente de como um regime constitucional e estabelecido por consenso e voto se torna gradativamente um regime autoritário e autocrático. Não obstante assumir ou não uma posição diante desse estado de coisas parece inevitável para qualquer um. Sócrates não assumiu um lado, não apoiou a tirania e tampouco se retirou de Atenas com os membros do partido popular. Sócrates não tinha partido, era inteiro. O filósofo procurava a justiça e não a deixava de lado por medo da morte, seja no período em que Atenas era uma democracia sob o governo do partido popular, seja na oligarquia com a tirania dos trinta.

O próprio Sócrates diz: “jamais me curvaria, por medo da morte, a qualquer pessoa que contrariasse o que é justo, preferindo morrer a curvar me” (PLATÃO, Apologia 32a). E o que é justo para Sócrates? O filósofo mesmo explica: “ter a lei e a justiça ao meu lado” e completa “ a aliar-me a vós, quando vos empenhavas num procedimento injusto” (PLATÃO, Apologia 32c). Quando Atenas ainda era uma democracia o filósofo se recusou a votar pelo julgamento coletivo dos generais que falharam na batalha de Arginusa, pois tal procedimento era ilegal subentenda inconstitucional.

Quando Atenas é tomada pela oligarquia os tiranos que se tornaram “senhores do Estado” tentavam implicar em seus crimes vários cidadãos, dentre os quais Sócrates. Em um desses casos os tiranos exigiram de Sócrates e outros cidadãos que buscassem um homem, Leon de Salamina, no exílio para ser executado. Enquanto, muitos cidadãos movidos pelo medo saíram de Atenas para cumprir a ordem dos tiranos Sócrates simplesmente retornou para a sua casa como nos relata Platão: “Aquele governo, por mais poderoso que fosse, não me intimidou no sentido de realizar algo injusto. Entretanto, quando saímos da rotunda, os outros quatro dirigiram-se a Salamina e prenderam Leon. De minha parte, limitei-me a voltar para a minha casa” (PLATÃO, Apologia 32d).

Quando somos persuadidos pela razão que nos inclina para a justiça a força que pode quebrar o corpo, manchar superficialmente a sua reputação, não pode retirar de nós a virtude. Compreender no momento atual que estamos entre a cruz e a espada é sensato. Mas não peça a ninguém que escolha entre um e outro movido pelo medo, ou pelo ódio aos adversários. Ficar a meio caminho para observar o que acontece com atenção não é covardia, é prudência! Buscar a mediania não é tibieza é sensatez! Reconhecer as limitações dos discursos e exigir das partes que sejam melhores do que se mostram é justo e legítimo, mais legítimo inclusive do que fazer do debate público uma arena de MMA.

E se é preciso ficar e resistir porque “ ao longo da minha vida, em qualquer atividade pública em que possa ter me engajado sou o mesmo homem que da vida privada. Jamais compactuei com alguém para uma ação injusta” (PLATÃO, Apologia 33a ). Eu preciso lembrar constantemente que sou míope. De que preciso trocar os óculos com os quais vejo o mundo regularmente. Então, preciso constantemente avaliar minhas escolhas, me limpar de minhas contradições, reduzi-las ao máximo e ser dentro do que a minha limitada e defeituosa condição humana permite que eu seja.

Por isso, inspirado mais uma vez na história antiga, na filosofia antiga busco para a razão um remédio que permita que eu veja e faça a outros que vejam também se querem enxergar a realidade que não se curvem a tiranos. Que não abracem a tirania de nenhum tipo. Porque seus seguidores mordazes ganharam terreno e se alimentaram do que tínhamos de sonhos, se alimentaram como dementadores da nossa tristeza, e incentivaram como sith a escuridão que escondemos de nós mesmos.

Não desmereçamos os “isentões” são eles, como eu, que irão decidir essas eleições. Inclinando se ou não a um dos extremos, ou permanecendo no centro indicando que nenhum dos dois extremos agradam à república e o verdadeiro Estado democrático de direito.
Brener Alexandre 23/10/2018

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Intransigência ou morte da democracia - A lição do diálogo entre os atenienses e os mélios


No quinto livro da História da Guerra do Peloponeso encontramos o famoso diálogo entre os atenienses e o mélios. Nesse diálogo se discutia a adesão de Melos, uma colônia espartana na guerra do Peloponeso. Os atenienses exigiam que os mélios se aliassem aos áticos contra os lacedemônios. Isso significava que os atenienses queriam que os mélios lutassem contra seus patronos, uma vez que Melos era uma colônia lacedemônia ou espartana, isto é, os mélios eram espartanos que migraram para aquela ilha do mediterrâneo. Tendo isso em vista esse diálogo sempre foi visto como manifestação de poder, tirania e intransigência.

 O uso da palavra como mecanismo de cerceamento da liberdade, neste caso de todo um povo que queria ficar neutro na guerra. A imagem remontada por Tucídides em sua História da Guerra do Peloponeso é a imagem que com tristeza vejo no debate baixo que avança com a força da desinformação e da má vontade que as partes que tomam a frente no diálogo insistem em sustentar com seu autoritarismo velado pela aura de pretensa virtude, sabedoria e lugar privilegiado. Não obstante, tudo isso é aparência e vaidade, na verdade por onde quer que eu vá encontro a soberba e arrogância, a falta de bom senso e a incapacidade para o diálogo aberto em que os interlocutores tentem passar da discordância à concessão e da concessão ao consenso, como aliás deveria ser em todo os debate. Por que isso ocorre? Será que fomos tomados pela cultura da pós verdade? Tentarei responder essa questão em outro lugar. Mas deixo a questão aos meus leitores imitando a prática comum dos humoristas de stand up comedy: “Se você não conhece na sua roda de amigos alguém assim, eu tenho uma má notícia, meu caro, pois você...”

Não pretendo reproduzir todo o diálogo nesse texto porque tornaria a leitura enfadonha, vou apenas pontuar algumas passagens para expor algumas ideias sobre intransigência no debate e o uso da força por meio da palavra.
Tucídides nos conta que tão logo os mélios tiveram a palavra nessa conversa com os emissários atenienses disseram:

“Vemos, com efeito, que viestes para serdes vós mesmos os juízes do que devemos dizer, e o resultado do debate é evidente: se vencermos na discussão por ser justa a nossa causa, e então nos recusarmos a ceder, será a guerra para nós; se nos deixarmos convencer, será a servidão” (TUCÍDIDES, História da Guerra do Peloponeso V, 86).

O trecho acima reflete a falta de possibilidades em aberto no debate minando a escolha real e substituindo-a por opções impostas pelo interlocutor. Os mélios queriam ficar em paz sem guerrear, os atenienses não vislumbravam essa opção. E impuseram aos mélios a guerra ou a escravidão. É muito comum no debate público com pessoas engajadas com proposições de caráter partidário impor ciladas retóricas para fazer violência com seu interlocutor, uma pratica sofística muito comum, por sinal. Atualizando a constatação dos mélios, para o cenário do debate público atual poderíamos identificar a guerra com o assassinato sumário da reputação do interlocutor, e a servidão com a anulação total de sua consciência de liberdade para escolher quais ideias defende, ou mesmo não se posicionar em relação à guerra discursiva.
Outra coisa muito comum no debate violento é a resposta dos atenienses a essa constatação dos mélios que reproduzo abaixo:

“Ora, se fordes levantar suspeitas, por conjecturas, a propósito do que poderá acontecer no futuro, ou se tendes outro propósito além de deliberar sobre a salvação de vossa cidade à luz dos fatos evidentes diante de vossos olhos, pararemos; se , ao contrário, este último é o vosso objetivo, falaremos” (TUCÍDIDES, História da Guerra do Peloponeso V, 87).

Na conjuntura agonística do debate público quem recorre aos artifícios violentos tende a agredir qualquer receio, dúvida ou insegurança do interlocutor frente ao que lhe é proposto. Normalmente ridiculariza e debocha do posicionamento hesitante do interlocutor, por aqui, temos o famoso “isentão”. O moderado certamente será tido como “isentão”, primeiro, porque não é dado aos arrombos de paixão, e tampouco a cegueira que a militância pode oferecer a quem por ela se deixa possuir.

Nesse caso a intransigência se manifesta como incapacidade de escuta, limitando o campo argumentativo do interlocutor que só pode jogar com as peças que o seu adversário fornece. No Eutidemo de Platão, isso é muito claro quando os sofistas perguntam aos interlocutores, mas estes só podem responder segundo as regras que os dois sofistas estabeleceram. Desse modo, o diálogo ganha contornos de um jogo em que duas pessoas estão disputando para vencer, mas apenas uma tem chances reais de vitória.

O intransigente se recusa a aceitar as motivações de seu interlocutor, seu objetivo é debater sem razão, fazer barulho ou uma cortina de fumaça para desviar o objeto debatido.
Transforma o debate em um campo de batalha, chama a si mesmo de “virtuoso” e o outro de “inimigo a ser vencido”, vê-se numa arena onde as palavras são armas com as quais o seu adversário deve ser batido.
O intransigente tem alma de tirano. É autoritário, não aceita objeções e recusa a refutação com base em argumentos sólidos.
Por isso, se o interlocutor rejeita seu argumento ele é agredido, e se o acolhe se torna subserviente. Não há caminho para liberdade de consciência nesse gênero de embate argumentativo. Há, apenas, ataque frontal a dignidade da pessoa na forma de um grotesco ad hominem (sofisma em que o usuário ataca o interlocutor e não suas ideias) ou retirando a emancipação do mesmo. Em ambos os casos, eu retiro a humanidade do interlocutor e o reduzo a coisa ou nada.

Esse tipo de conduta precisa ser combatido no debate público, precisamos aprender a debater ideias, recorrendo ao ferramental lógico em primeiro lugar e os instrumentos da boa retórica como dizia Platão no Fedro.  Do contrário, estaremos sujeitos a sujeição num debate em que a violência se torna o único argumento válido para sustentar o meu ponto de vista.

Brener Alexandre 25/09/2018

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Hooligans: do esporte a política


Anos atrás repetíamos o adágio: “brasileiro devia discutir política como discute futebol”. Se soubéssemos o tamanho da bobagem contida nesta sentença, já haveríamos de nos arrepender de tratar um assunto tão sério com leviandade.
Não só não deveríamos discutir política como se discute futebol, como não deveríamos sequer discutir o futebol como se discute futebol.

A paixão, a afetividade desempenha um papel fundamental no estádio de futebol, inflama o torcedor que canta, vibra positivamente ou não reagindo aos atores em cena. Dentro do estádio, na roda de amigos durante o jogo, ou mesmo num bar. Antes do jogo, ou depois dele o que deve imperar é a razão. Esse precioso elemento que por vezes esquecemos ou simplesmente ignoramos quando falamos de futebol. O torcedor não pode ser só afetividade, não pode ser só coração, precisa da racionalidade para ler os fatos e ser justo com o seu time, o adversário e a arbitragem.

Conhecemos o fenômeno do hooliganismo no esporte marcando a atuação vergonhosa dos torcedores violentos. Violência física, violência verbal. Constranger e intimidar essas são as características do hooligan. No Brasil poderíamos usar a expressão “clubismo” como essa espécie de violência, pois, o clubista vê apenas as cores do seu clube, percebe apenas as necessidades do seu time do coração, pensa apenas nas vantagens que podem beneficiar o seu time. São violentos? Não, o são fisicamente (quero dizer em geral não o são), mas o são ideologicamente, pois são incapazes de diálogo. Não conseguem confrontar ideias e olhar sob perspectivas diferentes. Dito de outro modo, o clubista faz violência a sua maneira quando fecha os olhos para a realidade dos fatos em nome das cores do time do coração.

Infelizmente, importamos esse comportamento para o debate público, suspeito que ele já existia muito antes da polarização na qual estamos inseridos em tempos hodiernos.  E que agora com as mídias sociais e o acirramento do debate público esse comportamento tenha ganhado proporções que devem nos levar a refletir sobre o nosso modo de debater ideias.
As discordâncias fazem parte do regime democrático, não há democracia onde há unanimidade, não há democracia onde não há contraditório. Platão no diálogo Sofista escreve: “O pensamento é um diálogo de si consigo mesmo” (cito de memória). O pensamento é dialógico, precisa ver outras perspectivas, precisa do contraditório para se encaminhar à verdade. Se o raciocínio é um diálogo, quanto mais não o seria o debate de ideias?
No entanto, o que presenciamos no debate público é o que Platão chamou no diálogo Eutidemo de “mistérios sofísticos” onde os argumentos dançam, rodopiam e se entrelaçam para agredir e derrubar o interlocutor. Na peça platônica Eutidemo e seu irmão instrumentalizam o discurso para atingir um único fim: vencer. Não se trata de ter razão, não se trata de expor a verdade, trata-se de ganhar a discussão, no grito, por meio da violência.

Se debatêssemos as razões (motivações) das pessoas e as refutássemos com base em outras motivações legítimas teríamos, então, um debate saudável em torno de ideias e construiríamos uma democracia sólida onde as instituições nos orientariam para o império da lei. Discordaríamos sim, o que é natural em uma democracia sólida, porém, sob o império da lei e da razão aprenderíamos com nossas discordâncias, estabeleceríamos consenso e repudiaríamos os excessos. Se não podemos ser tolerantes com os intolerantes como escreveu Popper, também não podemos tolerar os abusos contra as instituições e a violência generalizada no debate público que assassina reputações, cerceia liberdades individuais e reduz ao silêncio cidadãos que estão cumprindo seus deveres e tem seus direitos respaldados pela constituição.

Não podemos aceitar mais que os hooligans pautem o debate público, é preciso enriquecer o diálogo para enriquecer a democracia incipiente brasileira.
E só podemos fazer isso se mudarmos nossa forma de discutir política, isto é, deixando as paixões de lado, o “clubismo” partidário-ideológico, e como Sócrates na República de Platão em diálogo franco com Polemarco buscando a justiça reveza com seu interlocutor por que um bem tão importante não pode ser ocultado por nenhuma das partes como o filósofo explicou para o sofista Trasímaco.
Em suma, ou mudamos a forma de debater ideias condenando ao ostracismo a violência que segrega quem pensa diferente ou, então, jamais construiremos uma república de fato em nosso país.

Brener Alexandre 20/09/2018

domingo, 12 de agosto de 2018

Lacrimarum Valle


“gemendo e chorando neste vale de lágrimas”,
Padeço de todas as desgraças, enfrento todas as incertezas.
Lamento com tamanha tristeza esse existir sem pé nem cabeça.

“gemendo e chorando neste vale de lágrimas”,
Olho com desconfiança para cada palavra proferida
Cada sermão, discurso ou refrão entoado.
Cada som é um ferida aberta, pútrida.

“gemendo e chorando neste vale de lágrimas”,
Dei me conta de que devo “deixar para trás toda esperança”
Cada vez que entro de cabeça na história,
Nas narrativas, nas verdades e nas mentiras.

“gemendo e chorando neste vale de lágrimas”;
Percebi que em cada “salve rainha” um lamento
Em existir neste tormento.
Neste mundo de lágrimas e sombra de morte.
Caminhando como ovelha desgarrada
Caminhando sem eira nem beira
Neste mundo de dor.

Brener Alexandre 12/08/2018.