quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A Rosa

Vi uma rosa e me lembrei de você.  Acho que as flores me fazem pensar em como proceder com as pessoas, por isso me lembrei de você.
É tão bonito ver a flor cheia de vida plantada no jardim mesmo quando às vezes queremos oferecê-la a alguém. Talvez seja como o amor, que não pode ser arrancado a força, mas deve ser cultivado. Talvez seja como a amizade que do mesmo modo que o amor não reconhece na violência o caminho para a construção relacional.

Por que aquela rosa em particular e as flores de modo geral me fizeram lembrar de ti?
Porque quando penso em ti penso que não posso te arrebatar para mim como se colhe uma flor no campo. Não posso simplesmente te arrancar de ti mesma e nem te separar das tuas raízes. E se penso, ora na flor como o próprio amor/amizade, ora em ti mesmo como a flor desejada é porque provavelmente entendo que o mistério do amor, doloroso na maioria das vezes, e também o mistério da amizade conflitante no mais das vezes requer de nós um olhar diferente. Por mais que eu queira a rosa eu não posso arrancá-la, pois isso significaria matá-la! A rosa arrancada murcha a cada dia, suas pétalas caem pouco a pouco até que a flor bela de outrora não mais exista. Então, percebo que a dor angustiante que sinto é fruto do desejo de ter a rosa sempre comigo, mas se não posso arrancá-la como posso tê-la?

Nunca tinha percebido, refletindo com Sponville, que o amor enquanto alegria acompanhada de uma causa exterior, aquela definição belíssima da ética spinoziana, provocava tanta angustia! Vai ver eu sou muito platônico e só tenho paz quando  a referência do meu amor (não vou empregar a palavra “objeto” de amor, é muito feio)  pode ser possuído, pois parece que tenho fome do outro. E essa angustia é como ficar de barriga vazia precisa ser saciada com o abraço, o carinho o beijo e a troca de olhar. Com a companhia e as juras afetivas.

Então, se a dualidade da rosa (ícone do amor e pessoa amada) não podem ser arrancadas a força, o que me resta é esperar que a rosa sorria e se deixe transplantar para o meu jardim.
As rosas falam através de sua beleza e, é esta beleza que nos move a admirá-las. Seu sorriso se traduz na beleza de suas pétalas e no quanto elas se abrem diante dos nossos olhos que contemplam a sua maravilha que é a natureza espetacular do seu desabrochar.

Mas confesso que não me parece suficiente ter de esperar o sorriso, muitas vezes ele não vêm e o desejo de arrancá-la fica a espreita e fere o meu peito e me enche de dor.
Quem compreende a natureza do amor e da amizade sofre porque a zona de conflito entre o desejo e a alegria , entre a violência e o cuidado é a linha tênue que separa o amor da mera reificação do outro. 

O mistério do amor envolve o desejo que quer ser satisfeito, mas que se alegra em descobrir a beleza e não em matá-la. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Despedida

Foi um dia longo que parecia não ter fim acompanhado do silêncio e da dúvida e do medo.
Aquele dia foi longo foi um dia sem igual incomparável em tudo principalmente no medo que tinha do seu silêncio.
Veio à noite, a escuridão iluminada pela palavra. Escuridão iluminada que me cegava.
Aquele dia eu me despedi de você. É verdade que você não estava morta que apenas seguíamos caminhos diferentes paralelos talvez.
Mas chorei como se você tivesse morrido em meus braços, chorei como um luto amargo.
Aquela despedida me atravessou como uma lança, senti como se fosse eu quem morria para ti.
Enterrado como um indigente como um anônimo largado por aí.

Aquela noite foi difícil passei-a sozinho acordado afogado em lágrimas acorrentado pela solidão.
Uma noite escura uma noite diferente... Uma noite de eclipse de luz de escuridão iluminada pela tristeza da minha alma.

Nunca imaginei que sofreria tanto ao me despedir! Nunca imaginei que choraria tanto por ter que partir.
Porque nunca estive tão convicto do que sentia e nunca estive tão convicto do que queria construir.
Minha partida foi também a sua, e como o brilho da Lua vai embora ocultado pela sombra da Terra você se foi naquela noite de outono.
Para você creio que tenha sido contrário a sua partida foi também a minha partida e para você deve ter sido como o nascer de belíssimo dia de verão, céu azul sem nuvens e um sol forte e quente.
Naquele dia realmente choveu e a tempestade caiu em minha alma também, meu mundo que já estava em colapso foi arruinado completamente destruído.
Jurei depois daquele dia que não ia cair, que não ia me deixar vencer, mas é uma luta difícil e desigual e sempre saio vencido.
Jurei que reconstruiria o meu mundo, mas não sei se consigo sozinho sem você.
Aquela despedida me matou e agora sou um morto vivo me arrastando por aí tentando me iludir no meio de uma escuridão que me cega com a sua luz.
A verdade é que aquela despedida me quebrou de um modo que não pode ser consertado, assim como um mundo depois do colapso.
Me despedi, chorei e parti e só me resta agora escuridão e um céu sem estrelas para contemplar.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Beleza Reunida

Em você reúne a beleza manifesta:
No aroma do perfume das rosas;
Na sutileza da suavidade da tua pele;
Na ternura abrasadora do teu abraço;
Na candura casta do brilho dos teus olhos;
No teu sorriso que reconhece o amor velado pelo respeito;
Na despedida discreta e amiga;
Na sinceridade recitada pelo poeta;
Na criatividade do filósofo e do esteta;
Em você a beleza se concentra:
Como luz que me guia na escuridão;
Como a canção que me ergue da depressão;
Como o giro suave da abóboda celeste;
Como a flor que desabrocha no deserto das incertezas;
Como a mão amiga estendida na tristeza;
Sua beleza vem de dentro.
Sua beleza é divina.
Sua beleza é você mesma que eu contemplo todos os dias.



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

O herói que não sei ser

Eu não sou um herói, não eu não sou... não sei ser herói. Não tenho coragem quando preciso, não força quando é requisitada, sou impotência diante do mundo sou fraqueza diante dos meus medos.
Minhas mãos tremem, meu coração vacila. Ah, se eu tivesse ousadia! E te dissesse a verdade! Será que você a acolheria? Ainda acho que sou um covarde e me pergunto se você também não é uma covarde.
Não somos heróis, não somos tão bons quanto gostaríamos de ser e nem tão ruins que deveríamos nos odiar. Somos apenas débeis de alguma forma.
Às vezes penso nos heróis em todos os que conheço aquilo que os move é a superação. Todos têm fraquezas, todos têm limites e estão sempre procurando cruzar a linha entre a mediocridade e a soberba.

É, então, que a vida passa diante dos meus olhos como um filme e vejo tudo que vivi e almejo a coragem para seguir em frente.
“Viver sem arrependimentos” não sei viver sem arrependimentos, não ainda e nem sei se saberei um dia... Porque eu preciso me arrepender e querer refazer o caminho, preciso me levantar quando cair...
Não sei ser herói. Sei ser lágrimas quando o limite me aperta, sei ter medo quando o pânico me assombra, sei ser humano quando a dor me castiga.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Voto de Minerva


“Atena - Eis minha função, decidir por último. Depositarei este voto a favor de Orestes.” (Ésquilo, Eumênides 735)

A expressão voto de Minerva é bastante conhecida no meio popular. O voto de Minerva como é sabido é o voto dado com o intuito de decidir uma questão que não tem um consenso, que está empatado.  Mas eis que estamos às voltas com um segundo turno de eleições presidenciáveis e a questão não está empatada quanto ao número de votos, mas sim na minha modesta opinião na qualidade de ambos os candidatos.

Para um apartidário como eu é muito difícil votar por um partido confesso que não sei fazer esse tipo de coisa, aos que fazem o meu respeito, porque sei que se o fazem tem suas razões. No entanto, a questão é será que avaliamos nossas razões quando votamos? Será que eliminamos em nós a fumaça da confusão que permeia o nosso raciocínio infectado pelo pathos do imediato? Voltemos ao voto de Minerva, o que o mito que nos legou essa expressão nos expõe? Orestes é da família dos átridas, filho de Agâmenon.  O jovem é o assassino da mãe para vingar o pai e, perseguido pelas Fúrias, estas representam o antigo modelo de justiça anterior ao surgimento da Pólis e querem o sangue de Orestes para compensar o sangue de sua mãe, porque este matou uma consanguínea. Orestes pede asilo como suplicante no Templo de Apollo e este o acolhe e junto com Atena (Minerva).

Então, a deusa patrona da Ática instaura o tribunal no areópago próximo a colina de Ares em Atenas onde se realizará o julgamento do jovem átrida é então que chegamos ao ponto que nos interessa, pois a contagem dos votos aponta um empate técnico entre os que o julgam culpado e os que o absolveram da acusação de homicídio.  Então, a deusa que está presidindo o julgamento chama para si a responsabilidade e dá o seu voto como assinala a epígrafe acima. O voto dela decidiu o julgamento em favor de Orestes e qual é o motivo que a leva a inocentar o jovem? Atena diz: “Não há mãe nenhuma que me gerou. Em tudo, fora núpcias, apoio o macho com todo ardor, e sou muito do pai.” (Ésquilo, Eumênides 735). O que a leva a inocentar o jovem átrida é que ela faria o mesmo que o rapaz, isto é, faria de tudo pelo pai, pois que ela desconhece qualquer relação materna. 
Creio que a resposta da deusa tem muito a nos ensinar sobre os motivos que nos levam a tomar uma decisão seja sobre o que for. Ela opta por Orestes porque não tem mãe e nós optaremos por este ou aquele candidato nessas eleições por quais motivos?
Não me venham com números estimativas e históricos passados, pois a verdade é que quando os vejo e ouço chego “ a me esquecer de quem eu sou” . Todas as vezes que vejo militantes de A ou B falando em nome de seus partidos e de seus candidatos é como se eu escutasse Críton na prisão tentando convencer Sócrates a fugir.

“Toma a tua decisão já, embora a altura não seja para deliberar, mas para ter deliberado.” (Platão, Críton 46a) diz Críton ao seu amigo e eu escuto e vejo pelas redes sociais “ vote nesse candidato que é a favor disso e contra aquilo” ou “Vote no candidato fulano que defende o interesse de X e não de Y”. Mas é preciso dar a resposta que Sócrates deu ao seu amigo: “Meu caro Críton, o teu zelo é muito louvável, se for acompanhado de reta razão. Caso contrário, será tanto mais inconveniente quando maior for. Teremos, pois, de examinar se o que me propões deve ser feito ou não, visto que eu fui sempre, e não apenas agora, de molde a não me deixar convencer por outro argumento que não seja aquele que a minha razão considere o melhor.” (Platão, Críton 46b)
Por que devemos dar aos Crítons da vida que nos interpelam essa resposta? Simples, porque não podemos tomar nenhuma decisão mergulhados no medo que a primeira impressão dos fatos nos impõe.  É preciso buscar razões no mais íntimo de nós sem descurar das opiniões que nos acercam. Não se trata de tomar apenas um dos lados como Atena faz na peça de Ésquilo é preciso avaliar se as opiniões e se os discursos que se nos apresentam são condizentes com a realidade e se de fato quem está disputando o poder nos representa. E se ainda assim você opta por um deles ou por nenhum, está decidindo peremptoriamente por uma razão que te move e te faz crer que a sua decisão é correta.

Embora eu tenha consciência de que não é o meu voto quem vai decidir a eleição, me propus a transformar o meu voto em um voto de Minerva, com efeito, não para que desempate e muito menos para decidir as eleições, pois sei que o meu voto não tem esse poder, o que decide as eleições é a consciência magnânima que Rousseau denominou vontade geral que é mais que a soma das nossas vontades particulares em vista do bem comum.

Me propus a ouvir tudo e todos, a examinar cuidadosamente os fatos como Sócrates se propôs a fazer com seu amigo Críton e, só então decidir, não como Atena, que opta pela absolvição do jovem átrida porque “é muito do pai” mas que a minha decisão seja porque “não vou me deixar convencer por nenhum argumento que não seja aquele que a minha razão considere o melhor.                  

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Capítulo das lembranças: Autossuficência

Certa vez uma pessoa me disse: “eu sei que você preza pela sua autossuficiência”. Traduzindo em miúdos ela estava me dizendo: “eu sei que você não gosta de depender de ninguém. Eu sei que você aprendeu a fazer tudo sozinho, a se virar.”
Lembrei-me desse momento essa semana depois de algumas coisas que aconteceram. Vivo dizendo para mim mesmo e para os amigos mais íntimos que a minha vida é cercada de ironias, parece está sempre a zombar de mim.
Essa lembrança, penso, é apenas mais uma forma da vida jogar na minha cara o quanto ela é perversa e por vezes injusta.

Sempre busquei a tal autossuficiência, talvez a perfeição mais doentia que um homem consciente de que é um ser de relação possa almejar. É um paradoxo que nós seres humanos sejamos perfeitos em nossa imperfeição, completos em nossa incompletude e que justamente o que nos faz ser autossuficientes é ser dependentes uns dos outros. Não, não trato a dependência aqui de uma forma tão vulgar, não é uma dependência que suga e muito menos uma relação utilitarista e ou pragmática na qual o outro só vale enquanto me serve para algo.
Não, quando falo da dependência que nós seres humanos temos em relação uns com os outros eu me refiro a algo similar ao quebra-cabeça. De fato, o quebra-cabeça só é verdadeiramente completo quando todas as peças estão conectadas soltas elas não formam uma imagem, não formam um conjunto, não formam nada.
De tal forma é o ser humano sozinho é homem e capaz de muitas coisas, mas as condições que lhe são próprias dentre elas a finitude o faz incompleto e não forma a imagem do todo que a humanidade pode representar.

Eu enfrento esse dilema quando penso a autossuficiência como um desejo meu, esse movimento sofrível que me faz permanecer desconectado do resto das pessoas. Não quero depender delas, em nada, em nenhum aspecto da minha vida. No entanto, me vejo sempre carente de algo, porque sou incompleto como os andróginos de Aristófanes.
Por isso, é que vejo algo de fascinante e ao mesmo tempo perturbador nesse paradoxo da humanidade, fascinante porque, se por um lado,  somos perfeitos em nossa imperfeição então aquilo que deveria ser considerado um defeito na verdade é uma virtude e, de outro lado, todo aquele que busca a autossuficiência compreendendo-a como isolamento está na verdade destruindo a sua humanidade. Não tenho a intenção aqui de pintar uma humanidade bonita, justa e admirável, mas imagino que o que se pode pensar aqui não é uma finalidade para o ser humano é antes uma constatação do nosso limite (finis).

Naquela época eu achava que estava correto em ser ou almejar a tal autossuficiencia, hoje vejo que eu era tão arrogante que me censuraria se tivesse a oportunidade.
Ainda busco a autossuficiência, mas seguindo um caminho mais modesto, um caminho no qual outros possam trilhar comigo, em que eu possa ter a certeza de que sempre claudicante eu posso tropeçar, mas que a minha liberdade está associada a mão estendida daqueles que vão comigo mirando o horizonte.

sábado, 4 de outubro de 2014

Intuição (Reflexões Eleáticas)

Intuição é uma forma de olhar. É uma forma de perceber que apreende as sutilezas e que toca com suavidade a realidade.
Ver não é só enxergar, pois muitos enxergam e poucos vêem. Muitos olham, mas poucos percebem o que olham. A intuição é o modo de olhar que nos faz ver além do que os olhos captam, é a nossa capacidade de decifrar o real captar o sentido e compreender.

A intuição é, com efeito, os olhos da mente que penetram com acuidade e exatidão a mística do ser e o desvela para a inteligência.
Quem não se permitir intuir é cego, tem a pior das cegueiras, posto que é incapaz de ver a realidade preso ao que os sentidos físicos lhe revelam vê apenas o que aparece, apenas neblina e vultos silhuetas dançantes, sombras vazias.
Sem a intuição o saber se perde é como andar por uma cidade desconhecida sem um mapa nunca sabemos se estamos no caminho certo ou se estamos perdidos, somos forçados a confiar apenas no que vemos e no que nos e dito sem jamais tentar examinar o que se nos manifesta.
A intuição exige o exame, é uma ferramenta importante para a inteligência porque instrui os sentidos e corrige a imediatez de suas conclusões.

É a intuição que percorre o caminho de Parmênides, é ela que como Eros quer ser mais do que é e subir até o céu das idéias. Esses olhos invisíveis, que fazem com que a realidade seja descortinada a cada insight, momento único em que a mente se coloca atenta enquanto busca a verdade.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Imperium

Você cruzou o rubicão e disse que vinha como amigo
Mas calmamente impõe a homens livres o poder excessivo.
Cidadão augusto que fere a isonomia
Seu ato desmedido destrói a isegoria.

Se apropria de teu título e abusa de sua força
Tiraniza a assembleia em nome de tua glória.
Funda para ti uma mentira vil
Se fazes filho dos deuses e legitima teu ardil.

Ameaça teus inimigos em nome da tua sede de poder
Quer todos sob seus pés com medo de morrer
E assim destrói o governo de nossas leis
Se coloca no lugar delas e a força nos quer fazer te obedecer.

Você cruzou o rubicão, marchou de mansinho
Tinha partido como amigo, nunca imaginei que voltaria inimigo.
Entrou na grande cidade
Passou pelos portões de Roma
Tirano que destrói a República
Imitador do tirano Sula
Que demoli a áurea república.

Na assembleia se dirigia se fazendo de interessado
No bem de todos, mas só pensava no seu lado.
Suas monções só favoreciam a ti só aumentavam o seu poder
Seu desejo era soberano
Sua vontade era lei
Tudo o que você queria era mais poder.

Você cruzou o rubicão
Cruzou o limite que nos separa do humano e do divino
Adeus república
Assembleia dos iguais
Cede espaço ao império
Violento
Opressor
Que a lei para ele não existe só quando para ele é favor.
Você cruzou o rubicão
E ameaça a liberdade
De cidadãos livres
Livres de verdade!

Você cruzou o limite
Destruiu as nossas leis
Transformando em súditos cidadãos-reis
Pois abaixo da lei estávamos
Era nosso escudo e amparo
Por causa dos excessos de um homem
Rumamos ao fracasso...