Creio que uma das descobertas mais interessantes da
filosofia foi o vazio.
Os gregos até Demócrito desconsideravam como razoável a
idéia de vazio e o infinito.
Aristóteles considerava ambos um absurdo, porque tanto o vazio
como o infinito abalam a possibilidade, pensa o Estagirita, de fazer ciência. No
primeiro caso, o vazio é uma forma de dizer o não-ser, isso significa que o
vazio é nada, embora sendo nada é algo.
Os gregos desconheciam o número zero e por isso não concebiam
o vazio.
O segundo caso, a saber, o infinito nos remete a
impossibilidade de parar em algum ponto, em termos lógicos, isso impossibilita
que se possa conhecer algo, porque não há um princípio do qual se começa e nem
um fim que manifeste a natureza do que se procura conhecer.
Por que então, o vazio é tão interessante? Não é só porque nos deu o
número zero, porque de brinde ganhamos o átomo (na verdade é o átomo que nos
deu o vazio de brinde), ou simplesmente porque o vazio permitiu rever vários
conceitos da filosofia da natureza fundamentais para a física moderna. Penso que o vazio é fascinante justamente
porque sendo nada é algo, como disse antes, mas que isso significa?
Acho que os orientais podem nos ajudar a conceber o nada
como algo, uma das coisas mais fascinantes na filosofia oriental budista é a
ideia de esvaziar a mente. Isto é, parar o pensamento, ou melhor, pensar em
nada, já pensou em nada? Pensar em nada é o repouso absoluto do pensamento e
quando isso acontece o pensamento desaparece.
Mas ao pensar em nada você estará pensando em algo um
paradoxo! Mas esse algo não é em muitos sentidos: locativo, predicativo e
existencial. Quero dizer que o nada é algo que não se atribui a nada, não está
em lugar nenhum e não exsistere, não se manifesta para o exterior.
Mas o nada tem extensão? Seria o nada o avesso da finitude e
do concreto?
Vejo no vazio algo de misterioso no sentido de que a sua
natureza é uma forma de “esconder” para revelar, do vazio é que encontramos o
espaço o local para o infinito.
No vazio é que há espaço para a criação, toda dimensão
poiética emerge do vazio: o mármore intocado, o papel em branco e toda técnica
carece do vazio como espaço infinito e criador para que o saber possa
desenvolver coisas e dar respostas as nossa indagações.
Na mística cristã a partir da famosa citação paulina de
filipenses em que o apóstolo magistralmente escreve que “Cristo esvaziou-se a
si mesmo” a kenosis de Jesus também é ato criador. Este desloca com o seu
esvaziamento a si mesmo e faz surgir a salvação da humanidade como fruto do ato
criador que renova toda criatura por ele salva.
De certo modo, a mística enquanto enfatiza o mistério de
Deus é esvaziamento, porque impede e impele o homem a desconstruir o conceito
que faz de Deus para mergulhar no vazio da não conceituação, a mística está
então relacionada com a teologia negativa que ao invés de afirmar o que Ele é
afirma o que Ele não é retirando toda a predicação até que sobra apenas o
mistério, o vazio que a nossa inteligência se esforça para encontrar e que
capta de forma muitas vezes confusa e opaca.
Por isso, o vazio é fascinante porque esconde
em seu nada o avesso que o pensamento tenta captar, mas só o consegue depois de
muita ginástica, precisa se contorcer e se esforçar para ver no invisível a
extensão do infinito que o vazio torna visível.
Brener Alexandre 30/09/2014