Olhando as flores me lembrei de que o amor recusa a
violência e relendo o clássico “O Pequeno Príncipe” me veio outra coisa a
mente. É interessante o movimento feito pelo principezinho antes de conhecer e
cativar a raposa, pois, o pequeno príncipe passa por um roseiral e fica
desapontado ao descobrir que a sua rosa não era única, mas era apenas uma rosa
comum. Porém, depois de conhecer e ficar amigo da raposa descobre que a sua
rosa não é uma rosa qualquer, uma rosa comum, mas é especial.
O nosso principezinho volta ao roseiral e diz: “Ela (a rosa)
sozinha é, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela que eu reguei.
Foi ela que pus sob a redoma. Foi ela que abriguei com o para-vento. Foi por
ela que eu matei as larvas. Foi ela que eu escutei se queixar ou se gabar, ou
mesmo calar-se algumas vezes, já que ela é a minha rosa.” Vejam que a
descoberta do principezinho o faz perceber que a relação com a sua rosa
modifica completamente o seu olhar sobre ela. A relação é de intimidade e
profundidade, uma coisa leva a outra.
A raposa explica ao menino: “eis o meu segredo. É muito
simples: só se vê bem com o coração. O Essencial é invisível aos olhos. Foi o
tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante. Tu te tornas
eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua
rosa...” Na verdade, não foi tempo perdido, foi tempo dedicado. A rosa quer ser
ela mesma e também queremos ser nós mesmos. Queremos ser aceitos como somos com
nossos pequenos defeitos e nossas virtudes, carecemos de reconhecimento e de
espaço para crescer. Ora somos jardineiros, ora somos a rosa.
No entanto, nos esquecemos que a rosa vai reclamar um dia ou
outro, vai estar insatisfeita, mas isso faz parte do mistério relacional.
Se não suportamos pessoas rasas, fúteis e superficiais é
porque somos profundos como um abismo, é belo, mas assustador! Somos como o mar
aberto, esplêndido, mas angustiante. Ora, os místicos também conhecem bem essa
experiência de se lançar nas “águas mais profundas” e de fazer a experiência do
desamparo, esse abandonar-se no mistério também é angustiante.
Quem tem a profundidade dos abismos é de uma intensidade
angustiante e não se contenta apenas em refrescar os pés, mas quer “lavar o corpo
inteiro”.
E se somos estranhos de perto, que seja! A estranheza é
fruto da falta de convívio, de tempo dedicado, pois devemos nos interessar
pelas pessoas como elas são e não como queremos que elas sejam! É tolice dizer
para alguém que é melhor te ter como amigo, ora, a amizade pressupõe que eu
também te acompanhe de perto do contrário não é amizade, não seria nem
coleguismo.
Assim como a lógica pressupõe que se alguém merece todo amor
do mundo e se você diz isso a alguém, então devemos pressupor que você esteja
minimamente inclinado a amá-lo do contrário o que você diz é uma mentira ou
você é covarde.
O amor, a amizade e todo o resto dependem da coragem
enquanto virtude, pois é da coragem que brota a sinceridade para o real
engajamento.
MacIntyre argumenta: “Acreditamos que a coragem é uma
virtude porque o cuidado e a preocupação com indivíduos, comunidades e causas,
tão fundamentais em tantas práticas, requerem a existência de tal virtude. Se
alguém diz que cuida de uma pessoa, comunidade ou causa, mas não está disposto
a correr riscos por essa pessoa, comunidade ou causa, põe em questão a
sinceridade de seu cuidado ou interesse. Coragem, a capacidade de correr
riscos, tem seu papel na vida humana devido a essa ligação com o cuidado e o
interesse. Não estou dizendo que seja impossível interessar-se e também ser
covarde. Estou dizendo, em parte, que a pessoa que se interessa com sinceridade
e não tem a capacidade de se arriscar precisa se definir, tanto para si mesma
como para as outras, como covarde.” (MacIntyre, Depois da Virtude. P. 323-324)
Traduzindo em miúdos, a coragem se relaciona com a
veracidade da nossa intenção. Do quanto estamos dispostos a pagar para que
nossas relações sejam verdadeiras e sinceras.
Eu posso escolher quem vai me machucar e quem não vai e se me
machucar tenho que buscar a sabedoria para saber se a pessoa o faz por querer,
afinal de contas a rosa tem espinhos e se não sei lidar com ela ou se me
apresso, eu me espeto!
A verdade é que tem pessoas na quais eu daria o mergulho profundo,
“o salto no escuro da piscina” como canta Humberto Gessinger em Piano bar.
Algumas pessoas merecem a minha coragem e a minha sinceridade, outras
simplesmente optam pela covardia não dita. E você o que quer para si mesmo? O
que você tem feito pela rosa que floresceu no seu mundo? Já a notou?
Lembre-se “o caminho só existe quando você passa”...